“A maternidade além de ser importante é solução. Ela não é problema. Sem a maternidade não existe mundo”.
A conversa com a Ale Gaidargi começou entre áudios, trocas de mensagens, foi para o telefone, voltou para as mensagens, permeada por sons infantis ao fundo, quebra-cabeças, filhos pulando no sofá e mais histórias que só mães sabem como é – trabalhar na pandemia com crianças em no modelo home office é um desafio.
Alessandra Maria Martins Gaidargi-Garutti tem 36 anos, é caiçara como ela mesmo diz. Jornalista, cientista e pesquisadora científica, tem mestrado, doutorado e pós-doutorado na área de Educação. A experiência de maternidade transformou sua vida. Se, de um lado, tinha uma carreira de sucesso na área editorial e de educação, ambas sólidas e prósperas, de outro, ao passar pelos profundos processos da maternidade, ressignificou seu trabalho no mundo. Mãe de Alexei Ian, de 4 anos, é a mulher mãe à frente do @somaemesmo, comunidade digital que fala sobre, claro, ser mãe. Ela também é autora da Editora Timo! Aqui na editora, a Ale é autora dos livros Só Grávida Mesmo e Só Mãe Mesmo, ambos à venda em nossa loja on-line. Compartilhamos aqui com todos como foi esse bate-papo!
Editora Timo: Ale, como era a sua vida antes de ser mãe?
Alessangra Gaidargi: Minha vida pré-maternidade era muito boa e a minha vida pós-maternidade também é muito boa. Só que são vidas diferentes. Eu sou jornalista e pedagoga, atuei por mais de 10 anos na área de Educação Infantil, tive uma escola. Fui editora-chefe de algumas publicações jornalísticas e assessora de comunicação em autarquia. Flertei com muitos mundos profissionais. Trabalhei com jornalismo no mercado de luxo e na gastronomia/alimentação, tive uma vida de eventos incríveis (se você pensou em Baile da Vogue, acertou), fui diretora de educação infantil, viajei pelo mundo. Dei aula no SENAC e em outras universidades, na Paschoal Dantas. Sou mestra, doutora, pós-doutora, já fiz bastante coisa… e ainda quero fazer muito mais.
Engraçado que a gente precisa se tornar mãe para saber que quando não era mãe era tudo diferente. E o grande lance é entender que ser diferente não é ser bom ou ruim. Está tudo bem ser bem resolvido. Abri mão do trabalho como jornalista, participando de vários eventos, para a vida acadêmica. Do meio pro fim do doutorado engravidei. Minha gravidez foi diferente do habitual, de alto risco e diferente do que eu imaginava.
ET: O que te motivou a começar a falar sobre maternidade nas redes sociais?
AG: A minha experiência disruptiva. Eu era o protótipo do vai dar errado. Eu não tinha informação. Eu tive uma gestação do medo. A verdade é que eu tive uma experiência de gestação muito complicada. Comecei a falar sobre maternidade porque ela foi transformadora. Ela foi um divisor de águas. Eu era uma pessoa workaholic, com uma carreira muito interessante, como jornalista e como pesquisadora. Eu não procurei uma realização na maternidade. A maternidade veio e trocou todos os meus valores. Eu percebi que dava para ser feliz de várias maneiras. Ser mãe para mim em algum tempo pareceu significar abrir mão de muitas coisas. Mas hoje eu sei que não era isso, que na verdade eu fui colocada na caixinha do “agora ela é mãe”. E ninguém é só mãe mesmo.
Ser mãe se tornou um adjetivo permanente na minha vida. Não tinha mais como conversar sobre um trabalho, hobby ou algo na minha vida sem incluir o “agora ela é mãe”.
Se as mulheres se apoiassem mais as coisas não chegariam no ponto extremo que elas chegam. A maior parte das mulheres como eu, que tem uma carreira e que empurra a maternidade porque tem uma vida super cheia, não tem uma rede de apoio razoável. E não porque não tem ajuda, mas porque são cuidadas por mulheres que também foram meio abandonadas, que também tiveram pouco apoio coerente. Então, essa transferência se dá na cultura do medo.
ET: E o nome do Só Mãe Mesmo, sempre fez sentido para os seus seguidores?
AG: Quando comecei o Só Mãe Mesmo, as pessoas não entendiam o significado. Quando eu comecei, o público básico era a mãe que ficava em casa – a mãe que vai primeiro pra caixinha do “agora ela só é mãe”. Aos poucos, chegou o público problematizador. E nesse gancho veio a questão do “só grávidas”. Porque há coisas que só grávidas entendem, mas é só uma fase.
Você começa a comprar a maternidade na gravidez. A maternidade perfeita. Por mais que minha gravidez tenha sido complicada, foi muito providencial. Conforme eu fui vivendo e não pude preencher papéis que minha família preencheu, por exemplo, e até mesmo papéis que eu sonhava porque eu estava de repouso absoluto quase o tempo todo, então eu comecei a lidar antes. Porque normalmente a mulher começa a lidar com isso depois do nascimento, na primeira noite de vida do bebê – ele chorando e muitas vezes ela também.
E maternidade é isso, enquanto falamos eu monto um quebra-cabeça com o Alexei. A maternidade além de ser importante, ela é solução. Ela não é problema. Sem a maternidade não existe mundo. Eu sou muito a favor da máxima que é preciso de uma vila para criar uma criança. É um conceito que leva em consideração que a mãe também precisa ser abraçada e cuidada.
Eu era uma pessoa workaholic, com uma carreira muito interessante, como jornalista e como pesquisadora. Eu não procurei uma realização na maternidade. A maternidade veio e trocou todos os meus valores. Eu percebi que dava para ser feliz de várias maneiras. Ser mãe para mim em algum tempo pareceu significar abrir mão de muitas coisas. Mas hoje eu sei que não era isso, que na verdade eu fui colocada na caixinha do “agora ela é mãe”. E ninguém é só mãe mesmo.
ET: Por que escrever dois livros falando sobre a maternidade, como o Só Grávida Mesmo e o Só Mãe Mesmo?
AG: O Só Grávida Mesmo nasceu… Eu não tenho irmãs, tenho primas que não estavam próximas durante minha gestação, eu tinha muitas dúvidas e queria entender o que estava acontecendo. Eu li os livros de gestação, mas eu queria conversar. Achava aqueles livros chatos e técnicos, não me levavam a lugar nenhum.
Qualquer grávida pensa muita coisa (e às vezes coisas que são bem cruéis de se pensar). Já é uma coisa meio assustadora desde a gestação. Na cultura ocidental, a gestação tem a ver com medo. Tem culturas em que a mulher grávida é superforte, mas aqui é medo do parto, é medo da anestesia, é medo da episiotomia, é medo de perder o emprego, é medo de ficar desamparada. Na visão da nossa sociedade ampla, a gestação está no lugar do medo, então a gestante não se empodera, ela está sempre na defesa.
A gestação se tornou uma forma de controle sobre a mulher. E isso não é claro para a maioria. Todas as mulheres são levadas a acreditar que ou a gente rompe com tudo e se torna uma mãe que abre mão de ser a mulher que sempre foi, ou você é aquela mãe que está ignorando tudo e vive num mundo em que a maternidade não cabe. Aquela mãe que não entende… E na verdade não é complicado, é mais simples. Esse lugar do meio é mais simples e nele a mulher precisa estar empoderada, se desapegar da tutela, de que alguém o tempo todo vai te dizer o que fazer, ou que você não vai conseguir… porque você vai.
Os meus livros foram escritos para mulheres que não sabem nada. Mulheres como eu. E também pra mulheres que sabem muita coisa. Que acreditam na intuição, algo que é forte, mas é muito desacreditado. É UM LIVRO PARA QUEM PRECISA DE UMA MÃO. Não são livros de técnicas e de expertise sobre gestação, puerpério, amamentação. São conversas. Conversas que eu gostaria de ter tido. Sobre coisas que eu não sabia e fui saber muitas vezes quando não fazia mais diferença.
Por exemplo, a golden hour. Quando eu pedi para ficar com meu filho no pós-parto, eu ouvi “você é uma dessas?”. Eu era! Mas eu não sabia. E eu não sabia que eu tinha direito de ficar com meu filho na primeira hora de vida, que eu podia exigir isso. E, nesses termos, o “não me diga que você é uma dessas” me fez acreditar que a minha intuição estava errada, de querer meu bebê ali comigo o tempo todo.
ET: Para quais mulheres, grávidas e mães, são os livros?
AG: Os livros são simples. Eles não são só para a bolha da maternidade, da humanização, da amamentação e da gravidez. Eles são pra toda mulher que quiser conhecer esse mundo um pouco mais. São para quem gosta de conversar e receber informações na base do diálogo, para grávidas e mulheres mães. Nos livros eu tento não trazer muito sobre marcos de desenvolvimento, por exemplo, porque eles podem ser um veneno, ao mesmo tempo que são informações importantes podem levar ao perigoso campo da comparação. Se eu jogo isso para a mãe de uma maneira solta eu só crio mais comparação esdrúxula. Uma coisa é a mãe que QUER entender, e pesquisa e estuda. Nos livros eu falo com a toda mãe, a que nunca ouviu falar e a que acha que o filho uma hora vai ficar meio “doido” num pico de crescimento, rs. O que eu espero é que a mãe entenda que a crise dos 3 meses existe, mas se não rolar com o bebe dela tudo bem também.
É importante tirar a mulher desse lugar de “não vou ser destruída pela maternidade”. Sabe, o estereótipo do “ser mãe não muda minha carreira”, “não vai impactar meu casamento”, “em três meses meu corpo estará como antes”. Estamos falando de um ponto de vista de ser destruída pela ideia da perfeição, como se a maternidade fosse algo a ser combatido sabe, algo que pode te fazer mal. Mas, também, temos que cuidar para que não se vá de um extremo ao outro. Para não ir pro lugar da supermãe perfeita, dos processos perfeitos, da hipervigilância. Que enfia na cabeça nasce uma mãe, nasce a culpa. Os dois caminhos são diferentes, mas os dois prendem a mulher. Eu quero nadar nesse rio, sem encostar nas bordas.
Algo que eu aprendi em ser mãe é “vai que dá”, bota uma fé que dá. A maternidade não é a de margarina, que compramos tão facilmente. Tenha um pouco de fé, fé em você mesmo, na sua natureza humana, de bicho, mamífero. Na natureza não tem leite artificial nem chupeta, não tem fórmula infantil, e eles se viram.
ET: Como a amamentação se tornou uma pauta tão importante para você?
AG: Por meio da minha experiência de amamentar. Foi muito difícil. É muito difícil. Quando eu falo da amamentação de modo especial é isso. Não é não tem apoio. É ter ANTI APOIO. Todos jogam para a mãe, que está tentando amamentar, o lugar do egoísmo. Vem aquele papo de “você está mais preocupada com você e suas teorias do que com o bebê”. Você pega uma mãe que está dilacerada, que está com dor (no começo amamentar pode doer), desconectada de algo que é natural (e a cultura desconectou) e ainda tem quem coloque você no lugar de egoísta por querer amamentar. É violento esperar que uma mulher que está lidando com o fato de que um ser humano saiu de dentro dela, e está provavelmente há uns pares de noites sem dormir, tenha que escutar que está deixando o bebê passar fome – coisa que ela não está fazendo.
A falta de orientação sobre amamentação é coletiva – de mulheres que não amamentam. Porque foi ensinado que amamentar prende e fomos ensinadas a não sermos presas, fomos criadas por uma geração que quebrou o mundo para sair de casa e ganhar seus espaços. Eu entendo e respeito isso. Mas o boleto a ser pago ficou, muitas vezes, com a amamentação. Então quando a gente amamenta precisa repensar o lugar da maternidade. Porque na verdade, ser mãe é uma expressão de liberdade, não é algo que me prende. É o único jeito de melhorar o mundo. Eu poderia te falar como comunicadora, como cientista, mas a verdade é que estamos falando de cuidado.
Eu acredito na amamentação. E na autorregulação. De crianças e de adultos. Aqui, por exemplo, a livre demanda só aconteceu. Alexei se autorregulou na amamentação, no sono, na alimentação, no desfralde (o processo de desfralde dele foi totalmente natural). Ele é um ser social que se autorregula. Alexei ainda mama. Sem crise, sem choro, sem estresse.
Os meus livros foram escritos para mulheres que não sabem nada. Mulheres como eu. E também pra mulheres que sabem muita coisa. Que acreditam na intuição, algo que é forte, mas é muito desacreditado. É UM LIVRO PARA QUEM PRECISA DE UMA MÃO. Não são livros de técnicas e de expertise sobre gestação, puerpério, amamentação. São conversas. Conversas que eu gostaria de ter tido. Sobre coisas que eu não sabia e fui saber muitas vezes quando não fazia mais diferença.
ET: O que acontece é que se você compra o pacote de família de margarina, você está errada. Se você não compra, também está. Mas a verdade é que compramos essa ideia desde a gravidez.
AG: Eu dei muita sorte ou sintonizei com as coisas certas no meu caminho. Um parto com conhecimento da equipe antes, com escolhas conscientes antes é um caminho – porque quando começa o trabalho de parto você não está mais nem pensando. Esse caminho de conscientização do nascimento ainda é elitizado e para poucos. E não é elitizado para quem tem mais dinheiro. É uma elitização cultural. Por isso eu falo sobre ser mãe e com todas as mães: todas as mães são mais do que mães. Se as mulheres falarem mais e trocarem mais essa elitização começa a mudar. E sabendo que mesmo que essa mulher seja mais do que mãe, seja uma mulher com outros interesses, tem coisa que só mãe sabe e só mãe entende.
Na minha cabeça, enquanto a mulher não entender que esse lugar dela é ela que define, ela que unifica, não vai mudar. O Só Mãe Mesmo tem esse propósito de gerar empatia. Empatia não é concordar com tudo, não é engolir tudo. Por exemplo, a questão da amamentação é muito importante para mim, foi romper barreiras. Minha mãe me amamentou pouco, minha sogra não amamentou, e certamente elas foram afastadas dessa cultura. Nós somos filhas de uma geração que teve que brigar com o mundo inteiro para ter espaço. E muitos se aproveitaram para criar a caixinha da mulher moderna, ultramoderna, que não abre mão de nada, não abre mão do trabalho principalmente. E ela também não enxerga que é uma violência não deixarem que ela seja plenamente mãe.
Tanto é colocada na caixinha a que fica em casa – a que “abandona” o trabalho, como é colocado – quanto a que vai voltar a trabalhar, que lutou pela carreira. Tem situações que elas nem percebe que também precisa ser respeitada como mãe. A mulher só sai dessa caixinha quando ela se empodera. E que ela TAMBÉM é mãe, apesar de qualquer outra escolha.
ET: Essa ideia do também é mãe é muito interessante. É algo que sempre vai nos acompanhar como mulheres que se tornam mães, mas não relativiza a mulher que somos.
AG: Mãe é substantivo e adjetivo. Quando eu sou mãe eu sou mãe em tudo. Mas não sobre tudo. Nem sobretudo. Não tem essa de ser mais mãe, menos mãe, mais profissional. Não descola da gente. Quando a gente tenta colocar no lugar de escolha, parece que eu preciso ESCOLHER o que ser. Eu acho que na verdade, não é ter que escolher. É ser mãe. Você tem a sua vida. E você é mãe. E se as pessoas que te cercam entendem que você precisa fazer as coisas, elas tem que te ajudar. Ou que não te cobrem, não te encham o saco e deixem você lidar com sua maternidade como bem entender.
Agora, como você vai lidar com a maternidade, aí sim é uma escolha. Nesse lugar é importante se posicionar. Eu escolho o tipo de mãe que eu quero ser. A mulher tem direito de querer ser mãe, a escolha de ser ou não precisa vir antes. Depois que se torna, ela é mãe e ponto. E tudo o mais que ela quiser. Eu vejo situações de entrevista de emprego, por exemplo, “quem vai ficar com seu filho?”. Ué, quem vai ficar com ele sou eu, eu sou mãe. Colocar a mãe nesse lugar de escolher entre ser mãe e ser mulher é torná-la menos profissional, um ser social inferior, quando na verdade é um adicional. Isso perpassa muitas camadas e lugares, eu sei que não é simples como é no discurso, mas é falando sobre isso que a gente tem a chance de mudar as coisas.
ET: Como é seu trabalho atualmente?
AG: Eu atuo como pesquisadora das relações entre as mulheres mães e as instituições acadêmicas. Eu pesquiso porque as mães saem das instituições e não conseguem se manter lá. E me dedico também a pesquisar a infância, as crianças alpha e questões geracionais, cultura de tecnologia. As crianças pequenas de hoje não são viciadas em tecnologia. Elas nascem com outra compreensão do que é tecnologia. A geração dos nossos filhos, a partir de 2010, não é conhecida, é algo completamente novo. É preciso sair desse lugar cômodo do vício, a estrutura cognitiva deles se organiza de outro jeito. Eu sou mãe, sou jornalista, sou cientista, trabalho com pesquisa científica e chega a ser engraçado que, quando abordo temas técnicos como uso de telas que são mais polêmicos, mães me questionam – afinal de contas, COMO UMA MÃE É CIENTISTA. Eu estudo cultura de paz, educação com paz, mas isso são formas de consertar o que se faz com os bebês. Se não cuidarmos da mãe e do bebê, vamos sempre tentar consertar crianças e adultos. Mas falar isso dentro da bolha é uma situação, outra coisa é viver isso, falar sobre isso com quem nunca parou pra pensar no assunto.
ET: Dentro da cultura de educação, qual um caminho plausível para transformar essa cultura do medo?
AG: Respeito com a criança é respeito à mãe. Se a escola, a maternidade, o hospital infantil, qualquer lugar que atende a criança não entende que ela é em relação à mãe, que não entende, o vínculo, eu calo a criança. É falta de respeito. Ao tentar “consertar” a criança eu quero consertar o adulto de amanhã. Ao olhar para a mãe, eu olho para a criança, eu não estrago pra não ter que consertar.
Você já parou para perceber as mães de meninas? As mães de meninas estão aflitas. Porque elas pensam no estrago que essas meninas vão viver. As crianças estão aqui para crescer, não para resolver os problemas dos adultos. Há uma diferença entre ser responsável pela criança e querer transportar a sua responsabilidade pra criança. É uma linha tênue, entre dar consciência e autonomia e empoderar, e sair do papel de responsável. Empoderar não significa me eximir do lugar de mãe. Nesse sentido, as mães de menino estão nesse papel de empoderar meninos mais conscientes, menos violentos, mais presentes. É um tarefa difícil. A construção com menino é mais de uma construção de relações. De pensar em como vai ser a relação com as noras. Mas as mães de meninas estão pensando no “e quando for a vez dela?”
A autonomia dá a criança o poder de saber quem está sendo violento com ela. Na violência estrutural o indivíduo muitas vezes nem se dá conta de que está sendo violentado. Criança autônoma percebe que está sendo violentada. Adulto também. Não tem como dissociar. Quando eu coloco a mulher na cultura do medo, ela perde autonomia. E não é só a violência física. Eu como responsável DEVO proteger da violência visível. Porém, ela precisa de autonomia para as violências silenciosas, para que ela entenda que está sendo violentada mesmo sem ter que apanhar pra isso. A autonomia dá a criança o poder de saber quem está sendo violento com ela.
ET: É como se você mesmo falando desse lugar precisasse escolher entre. Mas não é uma escolha, porque como você mesmo disse ser mãe é algo que não desgruda.
AG: Primeiro, não é como se sempre tivesse que ter uma escolha, porque não é uma escolha razoável. No meu entendimento, tudo na vida parte desse entendimento. O fato de ser mãe do Alexei não é uma escolha. Eu não escolho ter um braço quando eu acordo. Eu só tenho. Um filho é o mesmo. Eu sou mãe do Alexei independente de qualquer outra variável na minha vida. Mas não para o homem, o homem pode escolher na nossa sociedade, e isso na verdade é uma distorção cultural. Você é mãe. Você é pai. A partir do momento que eu sou mãe, eu sou. Não é uma bifurcação. Você é quando se torna. Eu acho que todo dia quando a gente acorda a gente faz escolhas. Mas ser mãe não, ser mãe é parte do que eu sou. Diante disso, qualquer escolha que busque comparação é absurda.
ET: Que mensagem você deixaria para as mães que ainda lerão o Só Grávida Mesmo e o Só Mãe Mesmo?
AG: Eu sou questionadora, tem que ser persistente às vezes. Faz o que você acha certo. Mãe sabe. Mãe sabe e a mãe é você. Eu não sei em que momento desconectaram a mulher tão violentamente dos seus filhos pra ela achar que alguém sabe mais do filho dela que ela mesma. Qualquer profissional de saúde ou educação razoável vai saber que é isso. Você fez aquela criatura, não há alguém no universo alguém que conheça ela melhor. Quem conhece é você. Não estou dizendo que os homens não contribuem. Mas quem faz o rolê é a gente.
Você é a mãe. Você tem direito de intervir. Tem um papel social fundamental no ser mãe e no ser pai. Há uma diferença entre ser autoritário e ter autoridade. Esse dilema trafega com muita facilidade. E no próprio livro. Ser mãe tem autoridade embutida, faz parte do pacote. Inclusive no lugar do entender que existe uma necessidade das crianças serem autônomas, o que faz parte do combate à violência.
Dá para querer um pouco mais! Acho que a gente tem que tirar a maternidade “BOA”, aquela que te faz ser melhor que o dobro de antes, da bolha. Precisa sair da bolha da mãe humanizada. Ser mãe é uma expansão do que a gente é, seja qual for o tipo de maternidade pelo qual optamos, por assim dizer. Mas são conceitos de uma cultura muito forte, eu entendo isso também. Contar para a mulher o que está acontecendo na gestação com ela é um recado de que ela pode fazer muita coisa. De que ela é forte, ela dá conta. E que tem um sistema dizendo que ela não vai conseguir. Eu digo: coloca um pouco de fé em você. E contar pra mãe de uma criança pequena que ela sabe o que está fazendo, que conhece seu filho muito bem e já nasceu com muito aprendizado sobre como criar um ser humano é empoderador. Dar a voz pra essa mulher e dizer a ela pra ser mãe do jeito que ela sabe, que está em seu coração, é libertador. E só mãe mesmo pra entender isso.
Bate-papo entre com Alessandra Gaigardi, jornalista, pós-doutora em educação e cientista, mãe do Alexei, e a também jornalista Juliana Couto, especialista em filosofia contemporânea e consultora em amamentação, mãe de 3, parceira da Editora Timo.