Mãe, compra um celular para mim?

“Mãe, compra um celular para mim?”. Esse dia chegou.

Eu sabia que um dia ele iria chegar. Costumava pensar no que iria dizer quando ouvisse a famigerada frase do celular. Só não esperava que seria tão cedo: sete anos e meio.

Voltando da escola, no carro, o pedido veio junto com um argumento que o meu filho mais velho julgou ser infalível: vários amigos meus já têm celular. Eu quero ter um também.

Após o pedido e o argumento, decretei lançada a fase da pré-adolescência aqui em casa.
Fazer parte do grupo é importante para os jovens rebentos. Aliás, pensando melhor, se sentir parte de um grupo é importante para o ser humano em geral. Dessa forma, qualquer negativa tradicional no estilo “você não é todo mundo”, além de entrar por um ouvido da criança e sair pelo outro, ainda pode gerar uma sensação de incompreensão de que aquilo é importante para ela naquele momento.

Quero um celular para ficar igual aos meus amigos.

O estudo “Crianças Digitais”, realizado pela empresa de cibersegurança Kaspersky em parceria com a consultoria de pesquisa Corpa, mostra que quase metade das crianças brasileiras (49%) usaram um dispositivo eletrônico pela primeira vez antes dos seis anos de idade. E 72% delas ganharam o próprio smartphone ou tablet antes de completar 10 anos – em geral, é por volta dos 8,5 anos que a criança ganha o seu aparelho.

Tablet antes dos seis anos? Confirmado aqui em casa! Mas sem internet.

A pandemia ainda trouxe um chrome book (presente do vovô) para poder assistir as aulas online sem atrapalhar o trabalho da mamãe ou do papai (só temos um computador aqui em casa e durante o homeoffice fazíamos escala de rodízio para usar o aparelho).

Mas celular… celular, não.

Um celular… aquela pequena tela que mais parece um buraco negro faminto. Que não apenas suga a atenção da criança, mas tem a capacidade de levá-la por caminhos que eu não saberei quais são. Internet infinita, esse é o meu maior medo.
Não, celular, não.

Mas eu não poderia dizer só não. Isso iria abrir espaço para toneladas de lamentações, injúrias, acessos de raiva e de negação. Pelo perfil do meu filho, eu precisava usar a lógica. Perguntei para ele como os amigos usavam o celular apenas para ganhar tempo.

Coloquei os neurónios para funcionar rapidamente e da resposta dele veio o meu contra-argumento fatal:

– Mãe, eles usam o celular para jogar, ué.
– Hummm, e você não tem um videogame para jogar?
– Sim
– E você não tem um tablet para jogar?
– Sim

– E você as vezes não joga até mesmo com nosso computador?
– Sim
– E joga também no celular do seu pai, quando ele deixa?
– Sim
– Então para quê você quer mais um aparelho para fazer algo que você já faz com outras telas?

O som do silêncio se instalou no carro…
Xeque-mate.

Ganhei mais algum tempo de sobrevida. Certamente algum dia no futuro o pedido retornará.
Um dia eu terei que dar. Não para que ele se sinta parte do grupo, mas para que enxergue o aparelho como uma ferramenta de comunicação e trabalho.

Mas hoje? Hoje não tem celular.

Paula Andrade

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