Manchete da semana no tema mulheres: “O trabalho feminino de cuidar dos filhos vale US$ 627 bilhões por ano”, de pesquisa realizada pela ONG National Partnership for Women & Families, que buscou analisar o uso do tempo dos norte-americanos em 2022. Circulou as redes sociais, tratando de tema cotidiano, óbvio, falado e certamente vivido por mulheres e mães em todo o mundo: nós cuidamos mais. Muito mais. E isso tem um custo alto.
Como agrupamento humano, não existimos sem cuidado. O cuidado é essencial e fundamental para a humanidade. Para existir, alguém cuidou, limpou, lavou, deu colo, alimentou, colocou para dormir, ninou, banhou. Ininterruptamente em um ciclo de cuidados básicos. E isso tem custo.
Análise da Oxfam deste ano aponta que mulheres acumulam pelo menos 380 bilhões de horas por mês, ou 12,5 bilhões de horas por dia, com o trabalho de cuidado não remunerado. E o nome do trabalho do cuidado não remunerado tem gênero, sexo e função social: destinado às mulheres e mães.
O trabalho de cuidado feminino abrange uma ampla gama de atividades, como cuidar de crianças, idosos, doentes, realizar tarefas domésticas como cozinhar, limpar e lavar roupa, além de oferecer apoio emocional e psicológico – já fez a conta de quanto custa manter uma profissional de cada segmento?
Embora essas atividades sejam essenciais para o funcionamento da sociedade e para o bem-estar de todos, elas frequentemente não são reconhecidas como trabalho formal e, portanto, não são remuneradas.
Historicamente (a história Dele), o trabalho do cuidado é atribuído a mulheres, assim como sua desvalorização, a objetificação da mulher e a exploração da mulher em ambos lugares (no cuidado e no sexo), garantindo os pilares funcionas e lucrativos do capitalismo, como estrutura a teórica feminista Maria Mies em Patriarcado e Acumulação em Escala Mundial: mulheres na divisão internacional do trabalho: “O que é mistificado por um conceito de natureza infectado pelo biologismo é uma relação de dominação e exploração, dominação do ser humano (masculino) sobre a natureza (feminina). Essa relação de dominação também está implícita nos outros conceitos mencionados anteriormente quando aplicados às mulheres. Vejamos, por exemplo, o conceito de trabalho! Devido à definição biológica da interação das mulheres com sua natureza, tanto seu trabalho durante o parto e criação dos filhos quanto o restante do trabalho doméstico não são vistos como trabalho. O conceito de trabalho é geralmente reservado ao trabalho produtivo dos homens sob condições capitalistas, o que significa trabalho para a produção de mais-valia”.
A recente pesquisa da ONG National Partnership for Women & Families vai além, ao discriminar como se dá o cuidado: homens relatam gastar pouco mais de 26 minutos por dia cuidando, enquanto as mulheres gastam, em média, 52 minutos. Em contas rápidas: isso 153 horas adicionais de cuidado anualmente, ou quatro semanas completas de trabalho por ano.
É óbvio pensar, assim, em possíveis caminhos. O primeiro, reconhecer, valorizar e redistribuir equitativamente o trabalho de cuidado é essencial para alcançar maior igualdade de gênero e promover uma sociedade mais justa e inclusiva. Outro caminho é tornar o trabalho do cuidado remunerado, a exemplo da Argentina que tornou o tempo de cuidado dedicado aos filhos como tempo de trabalho – e, por isso, pode ser contabilizado para aposentadoria. A medida, apresentada em 2021, busca reparar o prejuízo que fica na conta das mulheres que se tornam mães e o (predatório) mercado de trabalho que as exclui – aqui, nem o caldo do empreendedorismo materno dá para romantizar.
Amor ou trabalho não remunerado?
“Eles dizem que é amor. Nós dizemos que é trabalho não remunerado” é o dos mais trabalhados argumentos de Silvia Federici em O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. É baseando-se no conceito de amor, tão atrelado ao capitalismo e à exploração da cultura humana que se sustenta o preço da maternidade e o custo de dedicar-se aos filhos, assim como o preço do cuidado, de modo geral e estrutural.
O diferencial é que, em 2023 e já de alguns anos antes, os contornos vêm mudando e ainda fornecem tônus intangível: quanto espaço se ocupa em papel moeda com US$ 627 bilhões de dólares? Quantos quartos ou camas? Quantas casas? Quantas contas bancárias? Quantas mães solos seriam apoiadas e suportadas?
Perguntas também intangíveis, porque ainda idealistas (perdoem a autora, é a primeira vez a ocupar o espaço de debater um caminho sobre maternidade e cuidado no blog da Editora Timo). Isso porque, assentada na realidade, se a equidade acontecer para colocar mulheres no topo e manter o fino da bossa feminina liderando melhor e por isso lucrando mais, é reprodução de sistema (racista, inclusive). Quem pagará a conta? Já sabemos qual o sexo biológico irá – toda a História nos conta. No caso, a Dele.