Cinco coisas que aprendi estudando para a maternidade

Tornar-me mãe foi um processo de transição íntima e pessoal. Baseada em minha própria experiência como mulher, ainda que com um tempo de vida curto nesta Terra (em 2023, 35 anos), pude observar, crescendo com mulheres, sendo criada por mulheres, ensinada majoritariamente por mulheres, que há alguns momentos na vida de uma mulher em que ela passa por uma enorme transição, de aspecto material, metafísico e espiritual.

Individualmente e com todas as questões sociais e políticas que precisam ser nomeadas e incluídas (como maternidade compulsória e socialização feminina), engravidar do meu primeiro filho foi um divisor de águas. Não um divisor que dá vazão a dois filetes de rio. Um divisor que leva às grandes quedas de cachoeira para a imensidão do mar.

Em 2014 engravidei do meu primeiro filho, mesma época em que eu, como mulher, jornalista e especialista em filosofia, entrava no mundo da teoria feminista, o que me trouxe esclarecimento (que se desenvolve como um fio no gerúndio, ou seja, há que se estudar por muitos anos para compreender as camadas da teoria feminista). Esse processo se deu por meio de blogs sobre violência contra as mulheres. Foi assim que, verticalizando o caminho da violência contra a mulher, cheguei ao termo da violência obstétrica.

Foi ali, nalgum dia de Setembro de 2014, então trabalhando como revisora de texto em uma reconhecida (e abusiva) agência de publicidade de São Paulo, notifiquei a mim: absolutamente ninguém vai me obrigar ou induzir a passar por uma desnecesárea.

Esse foi o fio condutor que me fez estudar para me tornar mãe e que definitivamente mudou meus planos de maternidade. Tão logo engravidei, percebi que o script do nascer e ir para a creche aos quatro meses (até aquele momento, principal realidade a qual eu era apresentada enquanto mulher trabalhadora) estava fora de questão.

Nutrida desses fios condutores, fui estudar. Partilho aqui cinco coisas que aprendi estudando sobre maternidade não porque seja uma espécie de passado, mas um farol para mulheres que ainda podem se sentir incomodadas com o fato de que, veja bem, estudam. Até porque, sendo mãe de duas crianças, o estudo não para. Assim como a maternidade, é mudar para a próxima fase.

 

  1. Nos tempos em que vivemos, estudar para viver ciclos femininos importa

    Os tempos em que vivemos são de alienação dos corpos. Seja pelo entendimento da divisão sexual do trabalho, seja pelo conhecimento das pesquisas que mostram o horror da violência contra a mulher, compreender o que se passa com os corpos femininos importa. Ciclo reprodutivo, direito ao corpo, quais são os tipos de violência, violência psicólógica, socialização feminina, padrões estéticos… e por aí vai. Isso não significa, porém, não validar a experiência, tampouco seguir livros à risca – e menos ainda se pautar apenas pela Ciência (também ela muitas vezes duvidosa e enganosa). Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.

     

  2. Pode ser que você seja classificada como rebelde

    Dependendo do núcleo familiar em que você vive, vai ser a rebelde questionadora que quer colocar fogo em tudo. Aconteceu comigo. Recomendo – contém ironia. Abraçando o fogo simbólico, recomendo a máxima “escolha suas batalhas”. Muitas vezes, será difícil lidar com os palpites e até mesmo os julgamentos que você receberá pela sua maternagem – se forem julgamentos justos, talvez seja necessário ouvi-los.

  3. Quem veio antes têm experiência – isso não quer dizer que ela é boa

    Quem veio antes foi mãe antes que você. Se não foi mãe, tem mais experiência de vida em outras dimensões. Reconhecer a experiência do outro envolve escuta ativa, dar limites e contornos a quanto o outro se envolve e fazer suas escolhas para a sua maternidade. Não é sua bagagem, é do outro. Reconhecer pode ser interessante e te trazer alguma espécie de paz em suas escolhas. Maternidade é sobre escolhas. Espero que as suas sejam no melhor da sua consciência. Com erros incluídos. Se tem uma verdade sobre a maternidade é que ela é única, real e possível, cheia de “erros” – longe de ser perfeita. Há uma certa perversidade em manter mulheres mães responsáveis majoritariamente pelos filhos. Seja com as mães que vieram antes com você, seja com você.

  4. Estereótipos, socialização feminina e violências

    Eis três temas que permeiam a maternidade de modo estrutural – não, não é o amor. Estereótipos de como é uma mãe e de como deve ser uma mãe permeiam todos os espaços sociais e nutrem a tal da culpa materna. Com o tempo e cuidando também de você, busque se livrar dela. A socialização feminina vai muito bem e funciona melhor ainda quando você se torna mãe: uma âncora chamada maternidade compulsória te leva a uma realidade hostil de sobrecarga, na grande maioria das vezes. Se seu entendimento sobre violência contra as mulheres não era amplo, a má notícia é que você vai vivê-lo na pele enquanto mãe – a violência psicológica contra mães é estrutural.

  5. Amor incondicional não existe

    Parir natural não é amor, amamentar não é amor, cama compartilhada não é amor, BLW não é amor, sling não é amor. O amor incondicional e que nos remete a uma imagem de uma mãe sacrificada (arquetípica, aliás) é na realidade uma série de atividades acumuladas que fazem mulheres sofrerem. O amor materno é uma construção diária e não necessariamente se baseia no cuidado e no modo como você cuida, ainda que toda uma estrutura tente te convencer de que casa limpa, filho quieto e dormindo às 19h30 sem telas é prova de que você o ama. Tente se afastar das imagens. Autorrespeito e respeito são o caminho do amor.

 

 

Juliana Couto é jornalista, especialista em Filosofia e História Contemporânea, especialisa em Marketing, mãe de dois e fundadora do Estúdio Dhalva, voltado para comunicação sobre e para mulheres e mães. É parceira de comunicação para empreendedoras na área de parto natural, amamentação, direitos das mulheres, feminismo, espiritualidade e desenvolvimento feminino. Ancora círculos de mulheres, é tamboreira por amor. Além de colunista, também é social media da Editora Timo.

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