Em 21 de abril tivemos a Marcha Nacional pelo Parto Humanizado, que aconteceu em 30 cidades do Brasil. A mobilização ocorreu após o CREMERJ (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro) mover ações de oposição ao parto em casa, proibindo a atuação das enfermeiras obstétricas no parto domiciliar sem integrarem uma equipe médica.
Não é de hoje que o CREMERJ atua contra partos domiciliares. Em 2013, fizemos uma mobilização conhecida como “Marcha do Parto em Casa” no Brasil, em resposta a uma resolução do CREMERJ. Essa resolução proíbe médicos de participarem de partos domiciliares e também recomendava que os hospitais não aceitassem pacientes de parto domiciliar, exceto em situações de emergência.
O CREMERJ enfrentou uma grande pressão para revisar sua posição sobre os partos domiciliares. Em resposta às manifestações e ao debate público, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu, em agosto de 2013, a Resolução CFM nº 2.041/2013, que regulamenta a assistência ao parto fora do ambiente hospitalar.
Agora, após 11 anos desse debate, o CREMERJ volta a movimentar ações que vão de encontro ao atendimento ao parto domiciliar planejado, inclusive contrariando muitos países desenvolvidos do resto do mundo, onde o parto domiciliar planejado faz parte da rede de atendimento à população.
Dando dois passos para frente e um para trás
A perseguição a profissionais que defendem o parto humanizado no Brasil é um fenômeno complexo, envolvendo aspectos culturais, sociais e políticos. O parto humanizado é uma abordagem que enfatiza o respeito às escolhas da mulher, minimizando intervenções médicas desnecessárias e promovendo um ambiente acolhedor durante o parto. No entanto, essa abordagem enfrenta resistência significativa em vários setores da sociedade. Muitos profissionais de saúde são treinados em um modelo mais intervencionista de obstetrícia, o que pode levar a uma resistência contra métodos que promovem menos intervenções. Profissionais que advogam pelo parto humanizado muitas vezes enfrentam oposição não só de colegas, mas também de instituições que veem essas práticas como contraindicativas ou menos científicas, apesar das evidências que suportam os benefícios do parto humanizado.
O Brasil possui uma das maiores taxas de cesarianas do mundo, especialmente no setor privado. Essa realidade é resultado de vários fatores, incluindo a conveniência organizacional dos hospitais, remuneração médica e até a percepção cultural de que cesarianas seriam mais seguras ou menos dolorosas que partos normais. Além disso, o sistema de saúde é frequentemente criticado por um atendimento impessoal e mecanizado.
Por essas questões, pensei que seria interessante trazer para nosso conhecimento a voz de mulheres que pariram fora do Brasil, contando como foi o atendimento ao parto delas em outros lugares do mundo, para fazer uma pequena comparação nas experiências de parto de outros lugares.
Inicio hoje uma pequena série de posts: “Parir fora do Brasil pela voz das mulheres.”
Começamos com Joana Cemin, 35 anos, natural do interior de Santa Catarina. Joana se mudou para Portugal durante sua segunda gestação e lá nasceu Serena. Joana é companheira de João e mãe de Caetanno, seu primeiro filho.
LZ - Como foi seu processo de imigração?
JC – Mudamos para Lisboa no início de janeiro de 2023 e voltamos em dezembro, passando quase um ano lá. Fomos com 32 semanas de gestação. Nossa decisão de mudar passou por ter uma equipe de parto domiciliar; fizemos reunião online com a equipe e só decidimos ir com toda equipe particular organizada para parir Serena.
Como foi o atendimento de pré-natal nesse país?
Chegamos em um bairro bem organizado de Lisboa, chamado Restelo. Nos inscrevemos no centro de saúde e imediatamente tivemos o acompanhamento de um médico de saúde, por ter cidadania italiana. Comecei a acompanhar o pré-natal lá, não precisaria, pois eu fui com todos os exames atuais e feitos no Brasil, mas mesmo assim iniciamos o acompanhamento. Há rodas de conversa gratuita sobre parto, com uma enfermeira obstétrica, como se fosse pelo SUS do Brasil. Fomos convidados pela parteira a participar das preparações para o parto e nascimento, mas acabamos não conseguindo participar. Inclusive, achei muito interessante que eles ensinaram os pais a fazerem massagem na gestante, gostaria de ter ido assistir esse dia. Isso foi porque, a gente sem querer, foi morar no Restelo, porque o relato das outras mães brasileiras que foram grávidas para outros lugares de Portugal é de não assistência; não conseguiram fazer exames de pré-natal antes de parir.
Minha experiência foi muito boa, peguei uma médica de família brasileira, que aqui no Brasil era obstetriz, que me atendeu muito bem, sem pagar nada. Precisei ir ao hospital e minhas enfermeiras me indicaram o Garcia de Orta, que fica em Almada. Esse hospital é referência de parto humanizado, o atendimento lá foi muito bom e era meu hospital de referência. Senti que encaram a gestação como algo fisiológico e que a mulher pode parir, não ficaram procurando pelo em ovo.
Como foi o atendimento da equipe?
Elas foram ótimas, teria outro parto com elas! O valor é mais alto do que pagamos no Brasil, pagamos em média 3 mil euros pelo serviço delas. O acompanhamento delas foi incrível, tivemos nossas consultas, exames e elas estavam sempre atentas a todas as consultas de pré-natal. Tenho uma questão com ferritina, que foi acompanhada por elas e tratada com fitoterápico que deu muito certo! A equipe era do hospital Garcia de Orta, uma equipe de parteiras portuguesas.
Como foi o parto?
Como já mencionei, foi um parto domiciliar planejado. Minha bolsa rompeu às 14 horas e até as 21 horas não tive nenhuma contração. Como elas sabiam que eu tinha um outro bebê mais velho, estavam cientes que durante o dia nada iria acontecer. Me atenderam de dia, fizeram um shake e foram muito atenciosas. Serena nasceu muito rápido, tive um trabalho de parto de uma hora e pouquinho.
E como foi a rede de apoio por lá?
É muito difícil conseguir escola para criança, eu ficava com o Caetano e com a Serena recém-nascida. Apesar de morar com a minha cunhada, não era bem uma rede de apoio e por isso decidimos voltar para o Brasil. Quando o Caetano começou na creche, ele ficava muito doente e adoecia toda a família. Foi difícil viver esse período sem ajuda, por isso tomamos a decisão de voltar.
Relato pela voz de Joana Cemin, 35 anos, natural de Santa Catarina, que pariu Serena em Portugal em 2023.
Se você quiser me contar sobre sua experiência fora do Brasil, estou no perfil do Instagram @lilinascerhumano.
Se quiser, me escreva por aqui: lilidoulasp@gmail.com.
Boa hora e um beijo da doula!