Esse ano foi desafiador. Sendo bem sincera, desafiador pode ser até uma palavra meio leve dependendo de como 2020 pegou você, mas no geral desafiador define.
Muito daquilo que considerávamos garantido se tornou incerto, esta loucura tendo seu ápice quando nos afastamos de pessoas que amamos para demonstrar que as amamos. Quando todo mundo ficou dentro de casa, da casa de cimento e da casa-coração, o que era ótimo muitas vezes ficou complicado. E o que só era tolerável se tornou insuportável.
Os relacionamentos, arrisco dizer que quase todos mesmo, passaram por pequenas revoluções. Ficar longe representou um desafio imenso para alguns. Agora… ficar junto se mostrou um desafio ainda maior pra outros. Esse ano apertou todos os botõezinhos, e apertou de verdade, não foi de levinho não. Até porque não dava pra dar aquela encostada no botão e sair porta afora porque estava de cabeça quente: em 2020 a gente apertou os botões e teve que ficar lá pra ver o que acontecia. E, no fundo, a gente sempre soube que isso era perigoso.
Sabe aquela coisa de fazer doce de leite na panela de pressão cozinhando a lata de leite condensado? A gente sabe que se não estiver muito bem travado pode explodir, mas a gente vive perigosamente e tampa de qualquer jeito. Aí, sempre que explode a gente fala: não acredito que justo comigo! Esse ano foi um tal de gente cozinhando a bendita da lata com a tampa meio destravada que só vendo. Não acho que as pessoas não sabiam onde tinham colocado o pé quando se comprometeram, todo mundo sabe muito bem onde amarra sua égua, o que a falta de válvulas de escape fez foi colar num post it (bem na nossa própria testa) a responsabilidade das nossas decisões. Inclusive a decisão de estar ou não com alguém. Escolher não estar mais com alguém por um monte de motivos, e escolher continuar com alguém apesar de um monte de motivos. Até não escolher é uma escolha, e esse ano deixou isso bem claro.
E tem outra coisa que esse ano escancarou pra quem queria e pra quem não queria ver: a necessidade de viver de verdade. De sentir.
Quando nos vimos separados de pessoas que amamos, isso já tendo perdido minúcias preciosas pra gente como a possibilidade de abraçar e beijar quem bem entendíamos – dentro dos limites da razão ou não – nossa mente coletiva foi pra um lugar um pouco novo, onde nos encontramos com a natureza humana da incompletude. É do ser humano querer mais, não se contentar com o ordinário. Queremos o extraordinário! E quem não tinha encontrado percebeu que era hora de começar a dar uma chance pra isso, porque é muito pouco se contentar com uma vida ordinária.
Mas calma, antes de sair cancelando 2020, pensa direitinho se ele não te fez um tremendo favor. Porque esse ano nos obrigou a olhar pro que estava acontecendo debaixo do nosso nariz e muitas vezes preferimos não ver. Porque era confortável, porque atendia nossas crenças limitantes, porque… bom, sinceramente porque mudar dá trabalho, dói e faz a gente tirar a bunda do lugar e honrar a nossa história de vida.
O curioso é que 2020 foi, ao mesmo tempo, um ano de distâncias e um ano de aproximações. Um ano de reencontros, de cada um consigo mesmo e de almas que andavam por aí meio perdidas, procurando alguma coisa que ainda não tinham parado tempo suficiente pra entender o que era. Esse ano nos deu tempo, e nos mostrou que ele é o único recurso finito no fim das contas. Floresceram amizades incríveis e improváveis, construíram-se relações de todo o tipo. Algumas pessoas de sorte – ou com mais vontade, eu particularmente vou mais nesse caminho – se encontraram tão lindamente com quem são que se tornaram capazes de se conectar com outras no mesmo processo, conexão de almas. E perceberam que encontrar alguém com o mesmo mindset que você pode ser um bálsamo, e faz a gente se sentir em casa.
No fim das contas, depois de apertar todos os nossos botões e levar muitos de nós aos limites, 2020 nos deu um presente. Todos nós, absolutamente todos nós, saímos transformados desse ano. Não tem evolução na inércia, só no movimento. Já ouviu falar que pra quem não sabe onde quer ir qualquer caminho serve, é bem por aí, esse ano bifurcou e obrigou a escolher. E sabe, por mais que seja desconfortável quando envolve mudanças, é necessário pegar o caminho certo se queremos chegar no lugar que é nosso. 2020 disse: vem cá e dorme no meu barulho se você conseguir. E nós? Bom, a maioria de nós acordou, ainda bem.