Eu adoro essa expressão, mergulhar de ponta, se jogar de cabeça e ver no que dá. Talvez seja minha atração caiçara pela água, talvez seja a intensidade que isso traz.
A vida é uma colcha de retalhos de escolhas. Escolhemos da hora que acordamos até o momento que dormimos. Tudo é decisão, umas maiores outras menores. Decidimos ir ou não ir, decidimos até querer ou não querer – se bem que não querer parece uma falta de escolha. De toda forma, a cada instante de vida temos a oportunidade de seguir o caminho ou mudar de rota.
Mergulhar de ponta é decidir intensamente
Decidir grande, bancar a aposta. Porque quando a gente mergulha de cabeça é uma decisão que não tem volta, pulou e pronto. Você pode ir devagarzinho, colocar o pé, depois a perna, ir entrando na água aos poucos. Tudo bem se esse for o seu estilo, é gostoso também ir com mais calma, mas, mesmo assim, mergulhar de ponta de vez em quando é necessário pra conseguir sair de um lugar confortável e chegar num desconhecido. Pode ser assustadora a ideia de não poder voltar atrás, eu sei, mas é exatamente essa sensação que faz a gente ir pra frente inteiro, ouvir de verdade o que a nossa alma está pedindo. Obedecer aos nossos instintos.
Mães: obedeçam aos seus instintos e vai dar tudo certo?
Lembro de uma vez ter dito isso numa palestra pra mães: obedeçam aos seus instintos e vai dar tudo certo. E causou o maior alvoroço! Abri o microfone e veio de tudo, desde “meus instintos vieram com defeito de fábrica” até “se eu sigo meus instintos eu mato alguém”. A real é que temos medo de seguir nossos instintos às vezes porque eles dizem o contrário de tudo que a gente gostaria que dissessem, do que deixaria a gente quietinho em nossa zona de conforto, fazer o que… essa é a função deles, nos tirar um pouco do pensar e devolver pro sentir. O que pensamos passa por uma série de filtros sociais, do pode ou não pode, do deve ou não deve, do ético, do moral, do que engorda. O sentimento é bicho solto, ele pode ser todo politicamente incorreto e, ainda assim, sempre vai te indicar o caminho que te faz feliz. O cérebro elabora, o coração sabe.
E o instinto é fundamental no mergulho de ponta. Ele te dá o empurrão para se jogar. É aquela vozinha no fundo da gente que fala: se você não experimentar nunca vai saber, então vai. Errado não tá! Arrependimento do que se fez, o sentimento de que deveria ter escolhido diferente, é sempre incômodo, mas nem se compara ao arrependimento pelo que não se tentou, pelo que não se atreveu a decidir. Atreva-se.
Se jogar de cabeça vale a pena? Afinal, o caos é a origem de tudo
Evidentemente tem situações em que cabe uma certa argumentação com a gente mesmo antes de mergulhar. Imagina se jogar de cabeça numa piscina vazia, péssima ideia. O caos é a origem de tudo, mas precisa ser organizado. A bagunça precisa estar meio arrumada antes de decidir, especialmente dentro da gente. Tem que ponderar, dar uma medida nas consequências, ver o tanto de água que pode espalhar em volta a hora que mergulhar e, principalmente, avaliar se a água de destino tem profundidade suficiente pra te comportar. Senão deixa de ser mergulhar de ponta, de se atrever, é pular no vazio pra fugir.
Decidir pequeno é mais fácil, ainda que tenha também uma enorme importância, mas é sobre molhar ou não os pés na beira do mar. Pode ser bom, pode ser ruim, mas nada tão complicado de administrar. Agora decidir grande… decidir grande e de cabeça exige coragem e inteligência. Coragem de mergulhar de ponta e abraçar tudo que vem com essa decisão, inteligência de avaliar a profundidade da água em que se mergulha. Só que é isso que a vida quer da gente, não é? Guimarães Rosa está dizendo isso há um tempão! Coragem pra ser quem se é.
Quantas vezes você desejou profundamente mergulhar de ponta e não fez isso?
Qual foi a consequência? Qual sentimento te visita quando pensa nessas coisas que não tentou, ou que realizou sem intensidade, aos pedaços, experimentando só um pouquinho de tudo que a situação te oferecia? Tendemos a prestar muita atenção aos erros que cometemos, a nos culpar pelas escolhas ruins que eventualmente fazemos, sem nos atentar que os momentos em que não escolhemos, em que nem tentamos, em que deixamos a vida passar morna com medo do quente ou do frio fizeram estrago bem maior.
A maternidade e suas contradições todas são uma piscina profunda para se mergulhar. Seja quem você é, para além da convenção mãe ou pai, sem tantas reservas e sem tantas máscaras. Esquece esse desenho dos pais perfeitos que fazem tudo sempre certo, eles só nadam no raso. Ninguém que é de verdade consegue estar sempre certo, existem tantos certos por aí… A cada dia que passa nossos pequenos se tornam maiores, nos tornamos mais velhos, o tempo é implacável. Mergulhe mais de ponta, viva intensamente os momentos. É um direito de cada um viver tudo que há pra viver, e o único jeito de ensinar isso é mostrando que estamos profundamente imersos em quem somos e em nossos desejos mais sinceros de ser.