Ultimamente, tenho sido procurada por algumas gestantes que buscam um parto fisiológico, mas percebem que estão sendo acompanhadas por um profissional que não a apoia nessa escolha.
Confesso que isso não me espanta, estamos em um país em que o parto é tratado como um evento medicalizado, tirando da mulher informação e poder de escolha no dia mais importante da vida dela.
Meu papel de doula: acolher queixas e apresentar caminhos possíveis
Meu papel de doula é acolher as queixas da mulher, entender seus desejos, passar todos os caminhos possíveis que ela pode seguir e, por fim, fortalecer essa mulher, seguindo junto com a escolha que ela fez. Só podemos escolher quando nos dão a oportunidade de conhecer os diferentes caminhos – e é essa a grande diferença desses casos que estou destacando neste texto: parece que realmente não tem tido informação, e assim, não tem havido “escolhas”.
Quando o profissional tenta induzir a gestante para uma cesárea eletiva
A história é clássica, como um conto: o profissional fica dez, doze consultas falando que “faz parto normal”, que de verdade, fará “o que a mulher quiser”, que “é muito cedo para falar de parto”, para ela “se preocupar com enxoval”, que “é apoiador do parto normal”.
Mas quando a gestação avança, perto das 36/37 semanas, esse tipo de médico acha no ultrassom algo que vai – junto com uma série de argumentos “não científicos” – justificar uma cesárea eletiva – um verdadeiro resgate, uma salvação.
Cesárea por circular de cordão: necessária?
CASO 1: Semana passada mesmo, acolhi uma gestante nessa situação, seu obstetra viu no ultrassom de 36 semanas que o bebê tinha uma volta de cordão, por ser “muito perigoso” e por ele ser precavido, recomendava marcar a cirurgia cesárea dela para a semana seguinte! Com TRINTA E SETE SEMANAS! Resultado: ela se informou mais, fechou com uma equipe respeitosa e experiente em partos vaginais. Aguardo ansiosamente pelo desfecho desse parto e do surgimento desta família, que vai ter mais chances de um começo com menos depressão pós-parto, mais amamentação, menos consequências de intervenção médica desnecessária para o seu caso.
Plano de parto: o obstetra pode decidir que é desnecessário?
CASO 2: a obstetra disse para a mulher que ela não precisava de plano de parto escrito, pois guardaria TODOS os desejos para o parto da gestante na cabeça, ali durante a consulta. O Plano de Parto não é só um documento que lista como a mulher deseja que seja seu parto nos detalhes importantes que envolvem a equipe de atendimento.
É também um forte exercício de consciência da fisiologia do parto, do entendimento do funcionamento do corpo, da dinâmica hospitalar, do papel de cada profissional e da família na hora do atendimento ao parto e dos nossos limites! O plano de parto pode ser, sim, um instrumento empoderador da mulher, não se justifica guardá-lo na cabeça por PRATICIDADE. Muita coisa na maternidade ativa não tem a ver com praticidade, mas justamente na busca de informação para fazer as melhores escolhas para a mulher, para o bebê e para a família.
Você escolhe o parto, mas no final vai ser cesárea…
CONTO 3: a médica faz parto normal e cesárea – você escolhe! Mas se o bebê estiver nascendo com o rosto virado para cima, precisaremos da cesárea! Aí te pergunto: COMO? SE O BEBÊ ESTÁ NASCENDO? Respondo por experiência: provavelmente, antes de chegar no momento do expulsivo, algo muito importante acontecerá que vai justificar uma cesárea para aquela equipe médica.
Todas essas histórias têm nome, sobrenome e cpf, são histórias de mulheres que buscam um atendimento respeitoso nas suas escolhas, com seu corpo e com seu bebê, mas não recebem o melhor atendimento no que diz respeito às evidências científicas e na prática, não recebe verdades durante o pré-natal.
A intenção é boa, eles realmente estão preocupados com a saúde do parto. O que não fecha nessa conta é que só descobrimos que estão seguindo com uma conduta diferente do que buscamos, na sala de parto, onde não há mais como decidir nada, é apenas entrega.
Mamatreta: escolhendo os profissionais de atendimento ao parto
Simplificando o pensamento, o atendimento ao parto não deixa de ser um serviço, prestado para a cliente. Então fazendo uma analogia: não faz sentido eu visitar um stand de apartamentos se quero me mudar para uma casa, concorda? Ou, se preciso de um tênis para correr na rua, uma loja de sapatos de festas não vai atender meu desejo e nem a minha necessidade.
Não podemos deixar de pensar que o atendimento ao parto, que começa com as primeiras consultas, muitas vezes pré-concepção, vai ter como desfecho um momento específico – o parto – que é decisivo para a formação da família. A maneira como o parto acontece, importa – importa muito.
Se você busca um caminho natural, um parto fisiológico, com profissionais que considerem suas escolhas uma parte importante do processo, não adianta ir a um consultório cheio de fotos de cirurgias cesarianas.
Você percebe o discurso diferente nas sutilezas, nas frases soltas no pré-natal, na forma de trabalhar, na pesquisa da conduta do médico – tenha atenção a esses detalhes.
Informação sobre o sistema de atenção e assistência ao nascimento é fundamental
Nós mulheres, ainda precisamos ler, se informar, defender e lutar por um parto respeitoso, pois vivemos em um Brasil com taxas absurdas de cesárea.
Traduzindo em números, foi feito um perfil epidemiológico dos tipos de partos realizados no Brasil, com análise temporal, regional e fatorial, que mostra claramente como as cesáreas ainda superam os partos normais:
“…observa-se que a amplitude da realização de intervenções mecanicamente cirúrgicas se apresenta alta, favorecendo, em suma, a prevalência das cesáreas.” (Perfil epidemiológico dos tipos de parto realizados no Brasil: análise temporal, regional e fatorial. 2020, p.07)
E reforçando toda a história contada aqui: incentiva-se a cesárea
“…percebe-se um incentivo à via de parto cesárea pela classe médica, tendo em vista, possivelmente, o custo-benefício desta e viabilidade de realização em parâmetros atuais.” (Perfil epidemiológico dos tipos de parto realizados no Brasil: análise temporal, regional e fatorial. 2020, p.08)
Se a cirurgia cesariana é um bom custo-benefício para os serviços de atendimento médico, é preciso refletir: e para o bebê? E para a mãe? E para a família? E a sociedade? As evidências científicas são claras quando apontam que o parto normal, fisiológico e feito com respeito à mulher, traz menos intervenções medicamentosas, maior chance de amamentação, menos doenças nos primeiros anos e uma série de benefícios consequentes para todos envolvidos: mulher, bebê e família.
Acho que deu para entender o contexto que estamos inseridas: vigia nunca é demais!
Desejo que esse texto seja um iluminador de caminhos e que você tenha sorte nas suas escolhas!
Ah, desejo também que NUNCA deixe de fazer seu plano de parto, mesmo que necessite de uma cesárea, pois ele é o limite do respeito às suas escolhas.
Beijo da doula e boa hora!
Lili Szili – Doula de parto, pós-parto e Consultora de aleitamento materno.