Quando essa quarentena foi anunciada, eu entrei em pânico. Eu tinha passado Janeiro trabalhando em casa com meu filho de férias. Foi tão exaustivo dar conta de trabalho, filho e casa, que eu prometi que faria de tudo para tirar férias em julho só para não repetir a experiência.
Mal sabia eu que estava prestes a viver um Janeiro eterno:
– Mamãe, você sabe quando a gente vai poder sair de casa?
– Não sei, Tim.
– Então, olha, deixa eu te falar: a gente vai poder sair no mês 8. O mês 8 é Agosto.
Nossa, Agosto? Não tô preparada!
Respira, inspira, medita… tomei uma decisão para atravessar essa quarentena sã: eu não vou surtar.
Por sorte, tenho uma criança em casa que me ajuda nesta tarefa.
Me dá contornos em relação ao trabalho:
– Vi, você sabia que tá quase na hora do jantar? É melhor você parar de trabalhar.
Me ensina a ter mais conforto no dia a dia:
– Vi, por que você tomou banho e não colocou o pijama?
– Tim, porque não é bom ficar de pijama o dia inteiro.
– É sim. É muito gostoso.
Me ajuda a manter a rotina em dia:
– Vi, que tal você falar para eu desligar a TV e ir dormir?
– Você está com sono?
– Sim.
– Então, pode ir dormir, ué. Não precisa esperar eu pedir.
– Mas fala, quero que você peça para eu desligar a TV.
– Martim, desliga a TV e vai dormir.
– Tá bom, mamãe. (e foi dormir)
Me ajuda com o planejamento, organização da despensa e priorização das compras:
– Mamãe, nossas guloseimas estão acabando.
– Por que você não come os chocolates que o coelhinho te trouxe?
– Não posso. Eles são para comer no dia 28.
– Vi, quando você for no super, no dia 21 de maio, eu vou querer um papel que não está desenhado. Tô precisando pra escrever umas coisas.
– Martim, não gasta band-aid. Vai acabar e quando você precisar não vai ter mais. Você sabe que a gente não pode sair de casa pra comprar nada.
– Vi, quando acabar o band-aid a gente ainda tem: pomada, óleo e beijinho.
Me ajuda nas tarefas domésticas:
– Martim, é só para descascar os ovinhos de codorna, não é para comer.
– Mamãe, mas eu só estou comendo os que tô descascando.
– Mas você está descascando todos!
– Ah, mamãe, é que eu amo te ajudar.
Me ensina sobre empatia:
– Mamãe, não pode ficar gritando na janela, pode ter alguém dormindo. Como você se sentiria se você quisesse dormir e seu amigo ficasse gritando? Eu me sentiria triste.
Me lembra das regras mesmo quando sou eu quem tento burlá-las:
– Mamãe, eu quero beber alguma coisa.
– Tá bom, pega lá.
– Mas você falou que eu não posso abrir a geladeira.
– Quando a mamãe tiver fazendo reunião pode.
Me ajuda a aproveitar o feriado mesmo quando os dias parecem todos iguais:
– Mamãe, a gente tem 3 coisas pra fazer hoje: brincar, fazer bolo de chocolate e assistir TV.
Por fim, me lembra que o amor existe e é importante cultivarmos nossa autoestima em tempos sombrios:
– Que fofura! Você é muito lindo, filho!
– Ai, mamãe, eu te amo tanto quando você fala isso pra mim.
– Eu sou um arraso nas coisas!
Por Virginia Luz. Esse texto é a versão completa do publicado no livro Mães da Quarentena, publicado pela Editora Timo.
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