Tentativa de golpe no aleitamento materno

Entre as várias definições ou conceituações a respeito da democracia, gosto da exposta na Constituição do Brasil de 1988, em seus artigos 1º e 3º: “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político;
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Todos os meios disponíveis e todas as instituições devem ser utilizadas para “proteger, apoiar e promover” a democracia (já dá pra perceber onde isso vai chegar?). Sempre que esses conceitos forem seguidos, respeitados e praticados, não deve restar dúvidas sobre a legitimidade da ação democrática.

Porém, quando não se mantém esse foco, quando se pretende subverter o que está na Constituição Federal do Brasil, ainda mais com violência física, patrimonial, digital, psicológica ou moral, há que se conhecer as possíveis consequências. Segundo o Código Penal brasileiro (artigo 21), que reforça a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (artigo 3º), ninguém pode alegar desconhecimento da lei para não ser punido.

Entendo que a imensa maioria dos brasileiros desconheça esses documentos que regem nosso país (Constituição e Código Penal). Mas quem trabalha com elas (as leis), por elas, tem a obrigação de conhecer seu teor, seus benefícios, seus desafios e as consequências do seu descumprimento.

Democracia não significa ausência de leis. Isso é anarquia.

Se não estamos satisfeitos com o que está acontecendo, podemos e até devemos atuar através dos meios democráticos dos três poderes instituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário). Há mecanismos para isso. As eleições são um exemplo claro dessas possibilidades. Elas refletem a opinião, o desejo da maioria. Isso não significa que quem não for a maioria não terá voz ou representatividade. Até porque, quem for eleito deve seguir as leis magnas do país.

Amamentação e democracia

Frase que já vi atribuída a Mário Quintana e a Fernando Sabino:

“Democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um.”

Com poucas recomendações seguidas, o aleitamento materno atingiria, com grande chance, mais e mais díades mães-bebês e teríamos um grande aumento das possibilidades de promoção de saúde para os lactentes (bebês).

Aleitamento materno desde a sala de parto até dois anos ou mais, exclusivo até o sexto mês, em livre demanda.
Depois de toda essa introdução, o que pode haver de mais democrático que o aleitamento materno?

Todas as mães têm o direito de amamentar.
Todos os bebês têm o direito de serem amamentados.

Para esclarecer, há poucas situações em que a amamentação, nos dias de hoje, é contraindicada. São poucas, conhecidas e devem ser acolhidas, sem julgamento ou um peso maior colocado sobre essas questões.

A INFORMAÇÃO é libertadora

Ela pode e deve ser transmitida a todos e todas, em qualquer situação. Aqui, abordando especificamente as gestantes e lactantes, tudo começa pelo pré-natal. Seria mais interessante que começasse no ensino básico fundamental, para que crianças e adolescentes pudessem ser criados com conhecimento sobre esse e outros temas. Um dia chegaremos lá.

Pré-natal, maternidades (parto), serviços de saúde materno-infantil públicos e privados ou qualquer outro local onde seja possível alcançar mães com a informação são responsáveis pela possibilidade de aleitamento materno. Assim, a amamentação na 1ª hora de vida, compondo a Golden Hour (Hora Dourada) com o clampeamento oportuno de cordão e o contato pele a pele, em todas as crianças que nascem em uma “casa de parto” é lei, é possível, é desejável, é para todas, é democrático, mas, segundo o ENANI-2019, acontece APENAS em 62,4% dos partos.

Como ser mais democrático do que com “livre-demanda”? Cada mãe e cada bebê estabelecem seu ritmo de alimentação. Mama quem tem fome quando quiser, pelo tempo que precisar, um ou dois seios, a critério da necessidade, onde for preciso.

Por que razão estabelecer horários, duração, local de amamentação?

Quem deve ter essa soberania são os diretamente envolvidos. E cabe a nós todos, o ato de cidadania de acolher e, como profissionais, apoiar e orientar a decisão da mãe. E o que dizer da amamentação até dois anos ou mais, que alguns chamam de “prolongada”? A decisão do desmame oportuno também cabe à mãe e ao bebê, que, muitas vezes, toma essa decisão sem “consultar as bases”, trazendo surpresa. Quando essa mãe sofre pressões sociais ou mercadológicas para “forçar” esse desmame, é quase um “atentado à dignidade” da díade, em que não se admite a possibilidade de esse ser o caminho escolhido e definido por quem de direito. A amamentação exclusiva até o 6º mês é outra “opção” que deve ser respeitada, dentro do pluralismo de escolhas. Cientificamente comprovado, o leite materno é suficiente para hidratar (85% de sua composição é de água) e nutrir um bebê como alimento único durante os primeiros 6 meses de vida, ainda mais quando associada à livre demanda.

E quem ou o que dificulta esses objetivos?

Somos todos responsáveis. Se não por provocar esse tipo de situação, pelo menos por não estarmos atentos e ao lado das mães.
Mas, com certeza, há os maiores “culpados”(?). As políticas públicas ainda precisam ser mais ampliadas no que diz respeito à
regulamentação do aleitamento materno. Falta a lei nacional, federal, sobre proteção de amamentação em público que ainda está estacionada desde agosto de 2021, aguardando só uma aprovação para entrar em vigor. Falta ainda a extensão da licença maternidade de 6 meses para todas as mães trabalhadoras que têm esse direito. Falta olhar para a população de mulheres em trabalho informal (40% das mulheres no Brasil), responsáveis por parte ou, em algumas vezes, pela totalidade da renda familiar, para que se garanta um máximo possível de condições para manter a amamentação de suas crias.

É fundamental que se pratique uma observação mais rigorosa sobre o marketing das indústrias de substitutos de leite materno, partindo das leis já existentes (NBCAL – lei nº 11.265 – como grande ponto de partida). E só para esclarecer: a questão não é contra as indústrias que são importantes com seus produtos em muitas situações, não é contra os funcionários que trabalham nessas indústrias e não é contra os produtos que essa indústria fabrica.

A questão é o marketing abusivo, irresponsável, desrespeitoso, invasivo e violento, que é utilizado em relação às mães, que em momentos de vulnerabilidade, sem um apoio adequado, e passando por desafios constantes, podem ser influenciadas a não amamentar, acreditando que os produtos, leite materno ou seus substitutos, sejam parecidos.

Que fique claro que o leite materno é o padrão ouro da alimentação infantil, comprovado pela ciência e consagrado pelo uso. Quando ele não pode, por qualquer razão, ser disponibilizado, os substitutos de leite materno são uma possibilidade a ser considerada, com orientação de profissionais capacitados e habilitados.

Assim, pela democracia que a amamentação representa, ninguém solta as mãos. Proteger, apoiar e promover o aleitamento materno é a meta de quem quer salvaguardar o direito das mães que querem amamentar.

#nãoaqualquergolpe
#nãoaqualquerviolência
#simàdemocracia
#simàamamentação


Moisés Chencinski é pediatra e homeopata, criador

e gestor do movimento “Eu apoio leite materno”.
Pode ser encontrado nos perfis do
Instagram @doutormoises/@euapoioleitematerno/@omelhorprodutodomundo

 

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