Celeste chegou chegando, abalando as estruturas, colecionando cuspezinhos maternos como estalactites, que vão despencando um a um na minha testa arrogante de mãe de dois bem-mamados a cada desafio. O mar de cuspe não erra. Não importa se é a terceira vez em que se é mãe.
Eu tinha planos de filmar tudo para renovar meu material visual para futuras aulas. Que planos minha filha?!
Pela primeira vez com meus filhos: a UTI
Mal consigo respirar ou parar pra fazer xixi, essa última, preocupação que celeste não tem: as fraldas são carregadas e infindáveis. Já a primeira, ela é solidária: me fez mãe de UTI por apneia com cianose – nome besta que na verdade é: ela parou de respirar e ficou roxa.
Cinco dias de UTI para observação foi o resultado desse susto. Capítulo à parte, foi uma saga, menos intensa do que eu esperava, mas ainda uma saga. Ela foi admitida em uma UTI particular famosa aqui no Rio de janeiro porque a do SUS que eu tentei e onde trabalho estava lotada.
Na admissão, a pediatra fofa: – tem chupetinha?
Eu, sem raciocinar, mas já me armando: – não, tem chupeitão!
Bebê admitida, mãe tutelada – eles acham que mãe derruba criança para tirar da incubadora, então proíbem alegando segurança do paciente. Porém, se o bebê estiver no berço, tudo bem, pode manipular à vontade. Vai entender…
Entra um, sai outro:
– Ela usa mamadeira?
– Você faz aleitamento materno exclusivo?
– Ela só mama peito?
– Ahhh, ela não usa mamadeira e tá em peito exclusivo?
– Perai (tirando toda a paramentação que havia já colocado) então que vou ver o que fazer…
Oi? Como assim?
Sala de coleta de leite (a cinco passos do meu leito)
– Olá! Vim coletar leite para minha bebê e oferecer como complemento.
– Ok. Pode se paramentar, pegar o recipiente (mamadeira da bomba ou mamadeira descartável. Não há copinhos). O leite vai para o lactário e na hora da dieta desce para o seu bebê.
– Mas eu estou amamentando em livre demanda, quero o leite para agora.
– Agora não pode. Tem que ir para o lactário.
-Então me resta desprezar o leite que preciso para agora.
Penso, elaboro, disparo (enquanto vou ordenhando pra aliviar o peito):
– Com quem mais posso falar?
E vem a responsável e entende que meu pedido é caracterizado como ordenha à beira de leito, autoriza e na minha presença solicita registro, em livro do setor, de nova rotina: “nutrizes podem ordenhar leite e levar para o leito, como se fosse ordenha à beira de leito.”
Ponto para nós!
Em casa: amamentar pela terceira vez
Passados os dias de UTI, exames sem alterações, sem novos episódios de apneia, fomos para casa.
Ainda com grande dificuldade de sucção, muito amassamento e uma anquiloglossia braba.
Na gestação eu pedia a todas as divindades que me poupassem de um quadro grave de freio lingual curto. Para que, né, minha filha?! Final de carreira materna e profissional sem emoção? Toma!!
E agora, freio alterado?
Freio lingual alteradíssimo, que na maternidade iniciou com um resultado normal de teste da linguinha e, obviamente discordei, digamos, com veemência (quem me conhece sabe como posso ser veementemente veemente) e o teste passou para duvidoso…vai saber, com todos os sintomas possíveis na bebê (sucção ineficiente, perda de peso/ganho arrastado, torcicolo, gases, disquesia, apneia…) e na mãe (mamilos doloridos, bloqueio de ductos, mastite e baixa produção).
Frenectomia com 15 dias de vida. Uma baita intervenção. Eu não estava louca, vejam só!! Tinha mesmo uma alteração importante, muitas aderências. Vou nem falar do freio labial…
A puérpera continua aqui – o sono também!
E eu, puérpera, privada de sono, profissional da amamentação, nutriz experiente, tomei o enésimo cuspezinho-estalactite na testa.
Chorei com os peitos murchos, me desesperei, mandei comprar leite para ter na madrugada se desse encrenca maior. É doído ver seu bebê chorando, querendo mamar e o peito não responder pq a demanda não é eficiente, porque há estresse, cansaço e privação de sono.
Mas a minha rede de apoio, em especial a feminina, é potente. Minhas pares me acolhendo, me tranquilizando e me apoiando enquanto nutriz e puérpera.
Você precisa descansar, Aline. E com o descanso, patrocinado pelo apoio de minha irmã que passou a noite com Celeste, me entregando apenas para amamentar, eu dormi, o pai dormiu e o leite comprado ficou lá…
Era papo de ordenhar 5ml dos dois peitos. Na mão, porque aquela bomba elétrica é o ó.
Perde peso, ganha peso, perde peso, ganha peso
Ganha peso, perde peso, ganha pouco peso, chora de dor no pós-operatório da frenectomia, gases, disquesia, pouco leite, alergia ao medicamento…raios e trovões!!! O que é isso, Celeste?
Os milagres que sempre operei com meus pequenos pacientes e suas famílias não funcionaram aqui! Celeste chora como se não houvesse amanhã. Solução? A tal bola de pilates que sempre me deixou tonta nos atendimentos que fazia e via pais e mães dependentes daquilo. Esse “daquilo” hoje salva os ouvidos aqui em casa.
Opaa!! Ganhou 32,5g/d!
Pensa que acabou?
Eu que não contei mesmo. Havia suspendido leite de vaca da dieta para testar, voltei a consumir (sou queijolatra) e tomei reação. APLV?
Volto para a dieta. E é nesse ponto que estamos hoje, finalizando a semana mundial de amamentação, com desafios nunca antes navegados…
Tá punk, mas estou segura, experimentando na carne, de que sempre trilhei o caminho certo no apoio, promoção e proteção do aleitamento materno, que sempre preferi chamar de amamentação.
E para finalizar em consonância ao tema da SMAM 2023, sobre apoio a mães e pais que trabalham, sou privilegiada por gozar da licença-maternidade mais extensa do Brasil até onde sei: um ano.