Tudo o que é feito na mulher durante o trabalho de parto que possa impactar a saúde dela e do bebê (positivamente ou negativamente) são intervenções no trabalho de parto e parto.
A crescente medicalização em um evento natural como o parto além de prejudicar o protagonismo da mulher, pode impactar negativamente a saúde do bebê.
Vou exemplificar algumas intervenções como sutis = muito leves, quase despercebidas e intervenções ativas = provocadas com um objetivo e que acaba interferindo no processo fisiológico e no desfecho.
Intervenções sutis no trabalho de parto e parto
- Não deixar a mulher se movimentar
- Não oferecer alimentação leve = líquidos e alimentos energéticos
- Privá-la do acompanhante
- Desencoraja-la: “nossa, não sei porque essa coisa de parto normal!”
- Deixá-la instável emocionalmente: falar coisas violentas, mesmo que pareça suave, como “tadinha, olha como está sofrendo!”
- Direcionar a mulher para parir em uma posição que é confortável para o médico
- Equipe desnecessária dentro do quarto com conversa alta
- Entrar e acender a luz
- Não ofertar alívio da dor não farmacológico: uso do chuveiro ou banheira
- Impedir a entrada da doula
Intervenções ativas no trabalho de parto e parto
- Exame de toque constante (comum)
- Cardiotoco durante o trabalho de parto todo, sem chance de movimentação
- Acesso venoso como protocolo
- Ocitocina sintética como protocolo
- Amniotomia: rompimento artificial da bolsa (comum)
- Expulsivo com puxo dirigido: quando ficam dizendo quando você precisa fazer força (as vezes sem vontade)
- Episiotomia (comum)
- Kristeller (comum)
- Massagenzinha no colo: “só pra tirar esse colinho”
Quer saber mais sobre parto e saúde da mulher? Leia:
Livro Nascer: fotografia de parto Nossos Corpos por Nós Mesmas Mamãe Desobediente
O perigo das intervenções e da má assistência: relato de parto em primeira pessoa
Apesar de acharmos que nada disso acontece, como doula vejo acontecer quase em todos os atendimentos hospitalares, inclusive vou contar um caso que aconteceu comigo.
Estava em trabalho de parto com tudo indo muito bem, mas por ter passado a noite toda com muita dor, eu estava cansada. Eram duas da tarde e minha dilatação estacionou em sete centímetros. Foi sugerido fazer uma “massagenzinha no meu colo” pois o colo estava fininho e com essa intervenção eu chegaria aos dez centímetros de dilatação, aí era só a bebê descer e pimba, nascia.
Foi conversado comigo, mostrando todos os benefícios da intervenção, mas sem explicação do risco que isso envolvia. Aceitei. Eis que durante o procedimento senti uma dor muito forte, tive uma percepção de algo se rasgando e comecei a sangrar, um sangue bem fluído e vermelho. Eu estava na banheira e lembro do corre-corre, me tiraram da banheira, me colocaram na cama, fizeram puxo dirigido para fazer minha bebê nascer rápido, como se esse nascimento fosse solucionar o sangramento, mero engano.
Ela nasceu de vácuo-extrator, tive uma laceração enorme e sentia muita dor no pós-parto.
Ela nasceu em um sábado, antes do dia dos pais e fiquei ouvindo durante o parto fragmentos de conversas de como as pessoas tinham viagem marcada, chalé reservado e por conta do meu parto estavam ali, esperando. E eu parindo, atrapalhando os planos daquelas pessoas.
Após o parto, todo mundo foi embora correndo, para suas viagens e eu continuei sangrando. No dia seguinte, tive um choque hipovolêmico, precisei ir para o centro cirúrgico para contornar a hemorragia, precisei de transfusão, fiquei na UTI e consegui ter meu útero preservado, mas ninguém falou o que de fato aconteceu, disseram que tive uma “atonia uterina”.
A atonia acontece quando o útero cansa de contrair, geralmente pode acontecer em caso do uso de ocitocina sintética, esse não foi meu caso, mas já presenciei esse fato em um hospital público, enquanto acompanhava um parto.
Anos depois, em um exame de rotina, descobri que eu tinha uma cicatriz grande no colo do útero e aquele dia precioso e especial do nascimento da minha filha veio na minha cabeça como um filme. Perguntei se essa cicatriz poderia ter sido da “massagenzinha no colo” e me responderam que sim: moça, que besteira fizeram em você!
Todos esses anos após o parto, carreguei comigo um sentimento de culpa enorme que me trouxe questões psicológicas importantes, deixei de lidar bem com meu corpo acreditando que ele tinha falhado, em um momento que visualizei, sonhei, imaginei viver e que foi vivido muito diferente. A romantização do parto é uma queda livre em um buraco negro, hoje trabalho isso com as minhas gestantes, para que elas não tenham a mesma queda que tive.
A prática obstétrica no Brasil tem uma pressa enorme em provocar o nascimento dos bebês, seja por agenda ou por má remuneração; o controle do tempo mexe na dinâmica do parto e explica a falta de paciência, resultando em intervenções intraparto completamente desnecessárias ou em indicações de cesárea sem justificativa real.
E por que não marca logo uma cesárea?
É muito melhor, os riscos são menores e não precisamos nos preocupar com desfechos negativos no decorrer do parto!
O mito da cesárea que apresenta menos riscos – e bota mito nisso!
A cesárea é uma cirurgia para resgate de vida, ou seja, para trazer com rapidez uma vida que necessita de socorro imediato e ela deveria ser indicada em casos de riscos reais, em que a mãe ou o bebê não podem se beneficiar do parto vaginal.
Nossas políticas de saúde ainda estão bem distantes do ideal, precisamos cobrar boas práticas de saúde, baseadas nas últimas evidências para que nossa assistência melhore cada vez mais.
Hospitais se vendem como atualizados e tecnológicos, mas a grande diferença é no atendimento humano e enquanto essa parte da assistência não olhar para o parto como um processo único, individualizado e atual, podemos estar no melhor hospital do mundo, mas o desfecho será o mesmo.
Você tem alguma sugestão de pauta ou quer saber sobre algo específico? Manda um alô pra mim no lilidoulasp@gmail.com ou diretamente pelo blog da timo.