Amamentação e segurança alimentar e nutricional: há relação?

O Brasil avançou bastante nas últimas décadas na discussão sobre segurança alimentar e nutricional.

Em 2006, o direito humano à alimentação adequada passou a ser assegurado por meio da Lei Orgânica n o  11.346 e, desde 2010, a alimentação foi incorporada à constituição como um direito social, por meio da Emenda Constitucional no 64. Nos últimos anos, no entanto, especialmente com questões políticas, pandemia e crise econômica, a insegurança alimentar entre famílias tem crescido.

Em 2021, 2022, dados mostram que 52,6% das famílias brasileiras vivem em alguma situação de insegurança alimentar. Porém, na presença de crianças e adolescentes, esses valores aumentam, chegando a assustadores 82,5% nas família com pelo menos três menores de 18 anos.

Segurança alimentar: amamentação entra aqui?

Quando se discute segurança alimentar e toda sua complexidade que envolve cultura, sustentabilidade, qualidade, quantidade, soberania, dentre outras questões, raramente pensamos da amamentação como parte do direito humano à alimentação adequada. Por que será que isso acontece?

Estamos falando nada mais do que o primeiro alimento que qualquer pessoa deveria ter contato. E, mais do que isso, ao longo dos seus primeiros seis meses de vida, o leite materno representará o ÚNICO alimento necessário ao bebê. Em nenhum outro momento da sua existência, isso se repetirá com tal perfeição. Mais do que prover todos os nutrientes necessários para suprir as demandas decorrentes do intenso desenvolvimento, o leite materno oferecerá proteção imunológica para um organismo que nasce com poucos mecanismos de defesa já estabelecidos. Mais do que o leite materno, a amamentação representa a segurança e o acolhimento para um ser que nasceu há pouco tempo e precisa ainda compreender o mundo em que se inseriu.

A amamentação é um direito reservado não somente ao bebê, mas à mãe

A ela, cabe o acesso a informações adequadas durante o pré-natal, o direito a um parto respeitoso e a ter contato pele a pele com seu filho nos primeiros minutos após o nascimento, segurança na volta ao trabalho remunerado, além do apoio profissional frente a qualquer dificuldade e da sua família e entorno para conseguir praticar a livre demanda. Amamentar não representa a sobreposição do bem-estar da criança à vontade materna. O direito de amamentar significa que nenhuma força externa deveria interferir de forma contrária à relação entre a mãe e a criança.

Amamentação não é luxo

Devemos trazer à discussão que não estamos falando da amamentação como um luxo ou uma situação relacionada à sorte para uma parcela das mulheres. Mas, quando temos dados que mostram que 45,8% dos bebês foram amamentados exclusivamente por leite materno até seus seis meses, fica evidente que temos um longo caminho a percorrer. A prática do profissional da saúde, infelizmente, tem representado um dos pontos frágeis relacionados à manutenção da amamentação. Frente à limitação de espaços de educação permanente e uma formação ainda fragmentada que supervaloriza a realização de procedimentos complexos, realizar o manejo clínico da amamentação torna-se distante da realidade de médicos, enfermeiros, nutricionistas e tantos outros profissionais.

Aliado a isso, temos uma forte influência da indústria que atua de forma massiva para o convencimento desses formadores de opinião quanto a ideias sutis, mas errôneas, de que o aleitamento materno pode ser facilmente substituído por outros produtos (industrializados) sem nenhuma desvantagem ao binômio mãe-bebê.

Garantir a amamentação é garantir alimento de verdade às crianças

Vamos ampliar os espaços de discussão sobre o assunto para que tratemos, efetivamente, esse ato como um direito a ser assegurado.

​Viviane Laudelino Vieira
Doutora em Ciências – Mestre em Saúde Pública
Nutricionista do Centro de Referência em Alimentação e Nutrição (CRNutri) – CSE Geraldo de Paula Souza – FSP/USP

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