Qual a cor do seio do Brasil?

No caminho do AGOSTO DOURADO para o OUTUBRO ROSA.

Em teu seio, Ó liberdade

“Nossa vida” no teu seio “mais amores”.

Nessas frases do Hino Nacional, “seio” representa, em sentido figurado, a alma, o coração, o âmago.

As aspas originais em “Nossa vida” e “mais amores” marcam trechos emprestados do poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias.

Quantas vezes ouvimos que o Brasil é um país de dimensões continentais, que acolhe a vida de muitos povos, muitas raças?

Dados da PNAD contínua do 2º trimestre de 2.022 mostra que o Brasil tem 213.940.000 habitantes, sendo que 109.381.000 (51,12%) são mulheres.

Em análise do IBGE, entre 2.012 a 2021, houve um aumento da população que se autodeclara parda (45,6% para 47%) e preta (7,4% para 9,1%), e um recuo da população branca (46,3% para 43%), segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD de julho de 2021). Assim, estimativas mostram que a população no país cresceu 7,6% entre 2012 e 2021 e, nesse mesmo período, a população declarada de cor preta cresceu 32,4% e a parda 10,8%, ao passo que a população que se declarava de cor branca não apresentou variação relevante.

Indígenas, africanos, orientais, europeus compõem a nossa história, moldando nossa cultura e influenciando nossos hábitos. E assim, desde 1500 até os dias de hoje, com tanta miscigenação, uma pergunta se faz necessária e básica:

Qual a “cor” do seio do Brasil?

Um (bem) pouco de história resumida do “seio brasileiro”

A história é uma ferramenta de construção de identidade”.

Frase atribuída a Laurentino Gomes – jornalista e escritor.

Assim, para compreender nossa identidade atual, é preciso resgatar a verdade, ou pelo menos, analisar as diferentes visões da nossa história, desde a descoberta até os dias de hoje.

A data é 22 de abril de 1500, quando a comitiva portuguesa desembarca no Brasil e encontra uma população indígena de quase 4 milhões de habitantes. No início, desde o descobrimento, as mulheres indígenas tinham, em sua tradição, a amamentação como base da alimentação infantil, foram as primeiras amas de leite da nossa história. Rejeição cultural e rebeldia levaram as damas europeias a buscarem outra fonte de leite materno para seus filhos.

Na obra Amamentação: um híbrido natureza-cultura (Editora FIOCRUZ), João Aprígio Guerra de Almeida, coordenador da Rede de Banco de Leite Humano do Brasil (rede BLH-Br), traz dados e traça, entre outros temas, a evolução do AM no Brasil, com trechos históricos tão atuais, como:

  1. Em resumo, no Brasil, o aleitamento materno entre os índios tupinambás era a regra geral até a chegada dos europeus, que trouxeram em sua bagagem cultural o hábito do desmame”.
  2. O trabalho materno não consistia em fator de desmame entre as índias tupinambás, embora a sociedade indígena imputasse uma carga de trabalho para a mulher superior à do homem. Com auxílio da tipoia, a índia conseguia harmonizar seu duplo papel: de mãe-nutriz e mulher-trabalhadora”.
  3. Portugal transmitiu ao Brasil o costume das mães ricas de não amamentarem seus filhos e, consequentemente, a necessidade de se instituir a figura da saloia. As índias cunhas constituíram a primeira versão de saloias brasileiras; porém, em razão da rejeição cultural que apresentavam, foram substituídas pelas escravas africanas”.
  4. Das indígenas para as africanas, as amas de leite alimentavam as crianças da nossa história às custas da saúde e até das vidas de suas próprias crianças. Houve épocas em que o “negócio das amas-de-leite” era mais rentável do que outras atividades, como plantação de café, por exemplo.
  5. Cabe sublinhar ainda que os relatos sobre desnutrição e mortalidade entre lactentes indígenas brasileiros só passaram existir a partir do momento em que se ampliou a convivência com o branco…

E veio a Independência do Brasil (1822). Conta uma versão da história que, nessa época, 99% da população era composta de analfabetos, predominantemente negra, a maioria imensa muito pobre e, dos 4 milhões de indígenas da época do descobrimento, apenas 800.000 sobreviveram. A escravidão foi abolida apenas em 1888 (66 anos depois), pela Lei Áurea e já no ano seguinte (1889), como era temido e esperado, chega ao final a Monarquia, com a Proclamação da República.

Seio indígena. Seio africano. Desmame europeu.

Dados do ENANI

Para classificação de raças na pesquisa, os dados foram obtidos por autodeclaração. O Relatório 1 traz as seguintes “cores ou raças” das crianças:

Branca [41,2%], Parda – mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça [51,6%], Preta [6,5%], Amarela (origem japonesa, chinesa, coreana etc.), indígena.

E os dados de amamentação recolhidos no ENANI nos mostram uma distribuição percentual, no mínimo, reveladora:

  • AM na 1ª hora de vida: Parda 63,4 / Branca 61,7 / Preta 58,4
  • AME em menores de 4 meses: Parda 61,9 / Preta 58,5 / Branca 57,3
  • AME entre 4 e 5 meses: Preta 45,8 / Branca 22,3 / Parda 21,1
  • AME em menores de 6 meses: Preta 52,6 / Parda 47,1 / Branca 43,8
  • AM em menores de 2 anos: Preta 63,9 / Parda 61,6 / Branca 58,3
  • AM continuado entre 12 e 15 meses: Preta 60,6 / Parda 53,1 / Branca 49,8
  • AM continuado entre 16 e 19 meses: Preta 59,8 / Parda 44,7 / Branca 39,0
  • AM continuado entre 20 e 23 meses: Preta 41,2 / Branca 37,9 / Parda 32,1
  • AM continuado entre 12 e 23 meses: Preta 53,0 / Parda 43,2 / Branca 42,4
  • Mamadeiras em menores de 2 anos: Branca 53,3 / Parda 51,5 / Preta 46,6
  • Chupetas em menores de 2 anos: Branca 44,3 / Parda 43,8,5 / Preta 42,2

Qual a cor do desmame no Brasil?

 

Dados do câncer de mama no Brasil (INCA, Oncoguia, Ministério da Saúde)

De acordo com a 6ª edição revisada e atualizada da cartilhaCâncer de mama: vamos falar sobre isso”, do INCA (2021), depois do câncer de pele não melanoma, o câncer de mama é o tipo mais comum no Brasil e o que causa mais mortes por câncer em mulheres.

A previsão para cada ano do triênio 2.020 – 2.022 é de 66.280 casos novos de câncer de mama no país. Em 2.019, de acordo com o Atlas de Mortalidade por Câncer, ocorreram 18.295 mortes (18.068 mulheres e 227 homens) com esse diagnóstico.

Adotar hábitos saudáveis, como atividade física regular, controlar o peso, evitar consumo de bebidas alcoólicas e não fumar podem contribuir para a prevenção do câncer de mama. pode evitar 30% dos casos de câncer de mama.

Estudo publicado na revista Lancet comprovou que o risco relativo de câncer de mama diminuiu 4,3% para cada 12 meses de amamentação (somados todos os períodos de amamentação), além de uma redução de 7,0% para cada nascimento (cumulativos).

Outra forma fundamental de prevenção é o autoexame de mamas, com diagnóstico precoce confirmado pela mamografia (recomendado entre 50 e 69 anos a cada 2 anos).

Matéria recente no Oncoguia mostra pesquisa realizada em Campinas e publicada no BMC Cancer, com dados sobre um aumento da tendência de mortes de mulheres pretas e pardas e redução nas mulheres brancas por câncer de mama, no período de 2.000 a 2.017, em São Paulo. Os autores atribuem esses resultados a “uma desigualdade no acesso às políticas de controle de câncer em função da raça”.

E complementa afirmando que a dificuldade de acesso a diagnóstico, com consultas e mamografias, traz um “desequilíbrio que é reflexo do racismo institucional que tentamos combater. Além de imoral, essas desigualdades geram um custo importante para a sociedade, pois cuidar de câncer é uma atividade muito complexa.”

Reflexões para sua conclusão e três perguntas 

  • A história traz uma consciência da evolução da amamentação no Brasil, através das amas de leite (indígenas e negras).
  • Dados do IBGE mostram um aumento da população parda e negra no Brasil.
  • As taxas de aleitamento materno no Brasil, segundo o ENANI-2019, mostram que crianças pardas e pretas apresentam índices maiores de AM nos pontos abordados e menores usos de chupeta e mamadeiras do que as crianças brancas.
  • O acesso aos serviços de saúde (pelo menos nas questões de câncer de mama) não são isonômicos, conforme mostram estatísticas do INCA, Oncoguia e os estudos recentes.

E as perguntas:

  • Você já viu algum livro de imagens ou textos para estudos de seios negros, pardos, amarelos ou indígenas?
  • Eles são, anatômica e estruturalmente, iguais aos seios da mulher branca?
  • De agosto, que é dourado, a outubro que é rosa, qual a cor do seio do Brasil?

Moises Chencinski

é pediatra e homeopata, criador
e gestor do movimento “Eu apoio leite materno”. Pode ser encontrado nos perfis do
Instagram @doutormoises/@euapoioleitematerno/@omelhorprodutodomundo

 

 

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Editora Timo.

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