Meu filho escolheu o tema da festa de aniversário dele. E eu quero dividir com vocês: ele quer uma festa de cientista. Cientista como a mamãe. Tudo bem que na cabeça ele ser cientista envolve umas coisas meio mágicas, explodir uns negócios e usar óculos 3D, mas ainda assim essa escolha dele me fez chorar de alegria. Ele podia querer ser o Sonic e quer ser igual a mim, se isso não é elogio eu nem sei o que é.
Eu sou uma mãe cientista. E somos muitas, ainda que não falem tanto de nós.
Estamos por aí em laboratórios, em centros de pesquisa, em salas de aula, em congressos. Podemos estar atrás de computadores ou microscópios, ou conversando com pessoas para entender como a vida acontece enquanto a vida está acontecendo. Só tem uma coisa que é igual em todas nós: somos apaixonadas por nossos filhos e pela ciência.
Algumas de nós usam jaleco, outras capacete, mas a maioria de nós não tem um uniforme especial que nos diferencie das outras mães por aí. Passamos despercebidas na rua e na reunião de pais. Ninguém diz: “olha a doutora fulana atravessando a rua, graças a ela meu filho tem uma base curricular decente na escola” ou “olha aquela pesquisadora, ela é a responsável pela descoberta do remédio que curou meu tio”. Das nossas pesquisas nascem as soluções de muitos problemas do mundo. Melhoramos a vida de todos, ainda que nossos vizinhos não façam ideia do que fazemos. No geral, pensam que a gente não faz nada mesmo, ou só estuda, ou é professora de “alguma coisa que tem um nome diferente”.
Enquanto quase ninguém se dá ao trabalho de entender o que estamos fazendo, vamos construindo nossas revoluções.
A mulher cientista se desdobra e resiste
Para se fazer ouvir a mulher cientista se desdobra e resiste, especialmente ao sistema da alta academia. Feito por homens e para homens. Temos de lidar com a jornada dupla, pesquisa + casa. Mas só se quisermos ter uma casa, morar no dormitório do centro de pesquisa para sempre é facultativo, claro. Com a maternidade, a jornada passa a ser tripla, quando não quádrupla, visto que a maior parte das mães cientistas tem um segundo trabalho além da pesquisa. Quando uma cientista diz “vou ser mãe” ela não faz um
anúncio, é uma declaração contra a hegemonia da ciência: eu vou ser mãe sim, estou decidida, pode vir quente que eu estou fervendo.
Mães cientistas têm uma certa prática em se reinventar, afinal passamos por uma reinvenção quando parimos e o mundo acadêmico passou a nos ver diferente. Aprendemos a pensar analiticamente mesmo presas em casa no pós-parto, quando os prazos nem sempre param. Descobrimos que a disponibilidade que tínhamos antes da maternidade muitas vezes pesou mais que nossa dedicação real.
E passamos por adaptações o tempo todo, quando nos deparamos com a verdade de que a maternidade não é compreendida como deveria por muitos de nossos pares, homens que são filhos de alguém quando não são pais de alguém também, e, pasmem, outras mulheres que escolheram não ter filhos.
Conseguimos nos reinventar porque sabemos muito bem quem somos e o quanto é importante o que fazemos, mas são processos de desconstrução e reconstrução que só mesmo mulheres incríveis poderiam fazer. Cientistas ou não, mulheres-mães que retomam suas carreiras e estão brilhando por aí, que quando procuram uma caneta na bolsa só encontram uns carrinhos e acabam anotando na mão com o delineador, são simplesmente incríveis.
Depois de uns dias em casa com um bebê, com demandas a serem entregues e cientes de que é com a gente e só com a gente mesmo, desenvolvemos poderes quase místicos. Leitura no escuro, revisão de artigo com amamentação em curso, levantamento de resultados de pesquisa com levantamento de colher do prato para boca da cria. Mulher maravilha fazia o que mesmo?
Resolver as coisas com um laço mágico é mais simples.
Queria ver a amazona encarando uma banca online de homens descansados depois de umas noites sem dormir, ou uma reunião interminável por qualquer plataforma virtual evitando que a cria gritasse ou chorasse ou passasse pintando com guache toda a casa ao fundo. E nós o fazemos, muitas vezes com um sorriso de satisfação por ter vencido mais uma pequena batalha. As mães cientistas atualizaram a definição de mulher que se supera.
Mães cientistas sabem o valor do tempo e do silêncio
Temos uma incrível dimensão do preço dessas commodities. Porque o tempo que precisamos para desenvolver as nossas pesquisas não é o tempo do mundo, é o tempo da ciência. E precisa de concentração e quietude para esse tempo ser utilizado, o que o torna ainda mais raro. Assim nos tornamos amigas das madrugadas. Amigas íntimas, dividimos com as últimas horas da noite e as primeiras da manhã nossas melhores ideias, e às vezes um vinho. Procurando você encontra facilmente algumas mães cientistas amigas online pela madrugada. Não é tão poético quanto parece, é que nesse horário todos dormem, e o silêncio que tanto amamos nos faz companhia no pensar – quando o sono não vence.
Aprendemos a ser micro-ambiciosas: um artigo de cada vez, um congresso de cada vez. É isso. Abandonamos a ideia do macro.
Nossos planos a longo prazo passaram a ser o resultado positivo de inúmeros pequenos planos de trabalho a curto prazo, dentro do padrão que conseguimos desenvolver por dia. E tem dias que fazemos listas intermináveis de trabalhos pra entregar e revisar, e na exaustão da madrugada pensamos: “por mais um dia mantive a sanidade”.
Deveria existir um Mães Cientistas Anônimas
E, mesmo assim, continuamos ativas. E brilhando. Seria bom apenas poder dizer que somos cientistas e bastasse, que o gênero não tivesse mais peso que nossa inteligência nas relações acadêmicas. Esse é o caminho para que as mães cientistas sejam mais reconhecidas e respeitadas, porque faz parte do ser mulher o ser mãe – quando assim ela deseja, claro.
E se tem uma coisa que deixa todas as nossas habilidades intelectuais ainda mais aguçadas é a maternidade, se mulheres cientistas são aviões que podem ganhar o mundo, mães cientistas são foguetes.
Ser uma mãe cientista é admitir que a vida é um mistério inexplicável, porque a maternidade nos mostra que a vida é contemplação. Do jeito mais simples, gestando uma vida, percebemos como a vida é complexa. E, ao mesmo tempo, continuamos tentando com afinco explicar a vida e seus mistérios, porque a curiosidade sem fim que a ciência nos traz faz parte do que somos. É isso aí, somos uma contradição, que traz consigo o melhor da humanidade: o amor, o conhecimento e a fé.
Alessandra Gaidargi