“Deus me proteja de mim, e da maldade de gente boa, da bondade da pessoa
ruim.” – Chico César
A indústria dos “substitutos do seio materno” analisa, estuda, programa, produz, divulga, vende e lucra.
A indústria dos “substitutos do seio materno” cria dificuldades para vender facilidades.
Como já é (ou deveria ser) de conhecimento de todos: não existe almoço grátis.
Ah, indústria … tão boa, útil e necessária, tão ruim, perigosa e prejudicial.
A recomendação da OMS é de aleitamento materno desde a sala de parto até 2 anos ou mais, exclusivo e em livre-demanda até o 6º mês. A expectativa é que essa taxa sempre seja a mais próxima de 100% em qualquer lactente até os 6 meses, em qualquer grupo de crianças, em qualquer lugar do mundo e independentemente de classe social, nível de conhecimento.
Mas, claramente, isso é surreal, utópico, inimaginável. Um sonho. São muitos os fatores (interesses?) que dificultam a meta da OMS (50% de crianças em aleitamento materno exclusivo em crianças abaixo de 6 meses até 2.025 e 70% até 2.030). Os dados do ENANI-2019 escancaram a taxa de aleitamento materno exclusivo (AME) em crianças abaixo de 6 meses no Brasil de 45,7%, partindo de uma média próxima de 75% na sala de parto, diminuindo mês a mês, chegando a 26% aos 4 meses e 1,3% aos 6 meses. Essa era nossa realidade, antes da pandemia.
Segundo dados dessa mesma pesquisa, a prevalência do uso de mamadeiras e chuquinhas foi de 52,1% e do uso de chupetas de 43,9%, ambos em crianças menores de 2 anos.
Sabe quando você vai usar um remédio, “receitado” pelo médico, pelo farmacêutico, pela vizinha, por um parente… e aí você olha a bula e se assusta com o tanto de contraindicações e efeitos colaterais que se pergunta se vale mesmo a pena? Na minha opinião, chupetas e mamadeiras deveriam vir com esses itens identificados, obrigatoriamente, na sua “bula”.
CONTRAINDICAÇÕES
- Não use mamadeiras, chuquinhas, bicos de silicone e chupetas, se você pretende amamentar ou está amamentando;
- Seu bebê abaixo de 6 meses exclusivamente e em livre-demanda;
- Seu bebê entre 6 e 12 meses, após a introdução alimentar, conforme o Guia
- Alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos (Ministério da Saúde);
- Sua criança até 2 anos ou mais, conforme recomendação da OMS.
EFEITOS COLATERAIS
- Mamadeiras, chuquinhas, bicos de silicone e chupetas (MCBsC) podem levar a confusão de bicos, aumentando os riscos de desmame precoce.
- Segundo o Guia de Saúde Oral Materno-Infantil da Global Child Dental Fund (UK) com apoio e divulgação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), “não existe bico de mamadeira com mesmo formato, textura ou que permitam realizar os movimentos orofaciais do bico do peito materno, todos os modelos dos bicos de mamadeira podem alterar o crescimento e desenvolvimento orofacial infantil”.
- Uso de mamadeiras e chuquinhas pode levar, também, ao desmame precoce através da “confusão de fluxo” pela maior “facilidade” na sucção e na saída do leite dos “apetrechos substitutos” do que do seio. O “exercício” de mamar ao seio é
fundamental para a formação e o desenvolvimento do sistema estomatognático. - O uso indiscriminado de MCBsC pode levar a alterações no desenvolvimento de estruturas anatômicas orofaciais, ortodônticas e fonoarticulatórias, interferindo no posicionamento correto dos dentes, do palato e podem gerar possíveis alterações respiratórias, de fala e necessidade de aparelhos ortodônticos por tempo prolongado para sua adequação.
- Mamadeiras e chuquinhas à noite, antes de a criança dormir, ou de madrugada, quando oferecidas com a criança deitada, ou se deitando logo a seguir, aumentam os riscos de otite média (leite passa da boca para a orelha através da tuba auditiva), fato que não acontece quando a criança mama na mesma posição ao seio (pelas diferentes dinâmicas de mamada).
E essa lista é muito maior. Será que valeria a pena o risco de usar um produto com essas contraindicações e esses efeitos colaterais, se isso viesse informado na bula?
MAIS DESAFIOS
Entre os vários “perrengues” no caminho de uma mãe que quer amamentar, a volta ao trabalho é um de seus “maiores pesadelos”, quando o aconselhamento tem uma grande aplicabilidade (ESCUTA ATIVA, EMPATIA, SEM JULGAMENTOS).
No Brasil, cerca de 40% das mulheres têm trabalho informal, sem vínculo empregatício e, assim, sem licença-maternidade. Em muitas situações a mulher tem parte importante na renda da família ou é a única fonte dessa renda. Assim, a volta ao trabalho, em grande parte das vezes, se dá antes de um mês de vida do bebê. Como manter a amamentação assim?
A recomendação é abordar esse tema desde o pré-natal, para que a mãe conheça todos os passos necessários e se sinta segura para esse momento, independentemente de quando aconteça. Segundo a RDC nº 171 de 2.006, que trata das questões relacionadas a funcionamento de bancos de leite, o leite humano extraído pode ficar 12 horas armazenado na geladeira e 15 dias
congelado. Não aceite nenhuma informação que não seja essa, só porque nos Estados Unidos e no Canadá (por exemplo) essa recomendação é diferente. O Brasil tem características climáticas, socioeconômico-culturais próprias. A mãe pode estocar seu leite retirado em casa ou em salas de apoio à amamentação no seu local e trabalho para ser oferecido ao bebê (de copinho ou outra técnica orientada), quando ela não estiver presente pela rede de apoio ou nas creches.
Sabemos que, em muitas situações, mesmo conhecendo os desafios provocados pelo uso de mamadeiras (e chupetas), por necessidade ou falta de outra opção, a mãe faz uso desses acessórios. A indústria, ciente dessa realidade, se aproveita para reforçar seu marketing e aumentar seus lucros, chegando a influenciar mulheres que não necessitariam e estão mais suscetíveis a essas informações, gerando mais riscos de desmame.
A NBCAL (Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras) é um instrumento de proteção legal da amamentação que corresponde a um “conjunto de regulamentações sobre a promoção comercial e a rotulagem de alimentos e produtos destinados a recém-nascidos e crianças de até três anos de idade: como leites, papinhas, chupetas e mamadeiras. O objetivo da NBCAL é assegurar o uso apropriado desses produtos de forma que não haja interferência na prática do aleitamento materno”.
Em caso de uso de mamadeiras e chuquinhas, o ideal é que sua retirada e transição para copo ocorra o quanto antes, no máximo aos 2 anos de idade, na tentativa de minimizar os possíveis problemas causados ao lactente.
A indústria cria, a cada dia, um novo substituto de leite materno, tentando parecer cada vez mais com o leite materno.
A indústria cria, a cada dia, um novo substituto do seio materno, tentando parecer cada vez mais com o seio materno.
Qual seria o próximo passo da indústria? Criar um substituto do “materno”, tentando parecer cada vez mais com o “materno”?
Moisés Chencinski é pediatra e homeopata, criador e gestor do movimento “Eu apoio leite materno”.
Pode ser encontrado nos perfis do Instagram @doutormoises/@euapoioleitematerno/@omelhorprodutodomundo
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Editora Timo