Quando um adulto não aceita bem os alimentos, muitos falam que tem um paladar infantil. Isso remete a pensar que um paladar infantil significa características como baixa aceitação para os sabores mais complexos e preparações elaboradas, enquanto há uma tendência de preferência pelo doce e pela gordura e realização de refeições mais monótonas.
Mas será que esse é o paladar de uma criança? Se sim, quanto desse paladar é inerente dela e quanto é modulado pelo ambiente?
É verdade, há sabores que gostamos mais
O ser humano, naturalmente, possui uma preferência por alguns sabores. Açúcar, sal e gordura são altamente palatáveis e, por isso, nos conquistam muito mais do que um prato de agrião ou uma fatia de abacate. Essa característica foi importantíssima para a nossa sobrevivência, levando o homem a se afastar daquilo que poderia ser venenoso na natureza em épocas remotas. Voltando aos tempos atuais, a criança, quando começa a ter contato com o açúcar no suco ou com a fritura, por exemplo, já adquire uma tendência a preferir tais sabores.
Porém, até experimentá-los, essa criança é mais receptiva aos sabores menos fáceis de serem preferidos. Quem já não se surpreendeu com um bebê, mesmo estranhando o sabor, insiste em lamber um limão? E quantas não são as famílias que preparam os alimentos totalmente sem sal e sequer observam problemas de aceitação por parte dos pequenos?
Mais que verdade, nós gostamos de experimentar
Na verdade, nós nascemos mais receptivos à experimentação. Enquanto não temos contato com o doce e o salgado, por exemplo, comemos sem grandes dificuldades alimentos amargos, azedos, sem sal ou açúcar. Porém, conforme crescemos, algo nos leva a ter esse paladar transformado.
Uma primeira mudança que ocorre é com relação ao ambiente. Muitos adultos chegam a ter dó ao ver uma criança tomando um suco sem açúcar ou não comendo um pedaço de chocolate. Sem perceber, criamos as oportunidades para que uma criança ou mesmo um bebê conheça os sabores mais sedutores de forma muito precoce. Além disso, damos um valor simbólico a determinados alimentos, como doces e salgadinhos, ao utilizarmos como prêmio ou compensação.
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Paladar infantil: o assédio da sociedade
Para complicar um pouco mais, mesmo que mães e pais tentem cuidar da alimentação da criança, o assédio da sociedade é brutal. Outras pessoas, como amigos e vizinhos, oferecem aleatoriamente alimentos às crianças sem a menor cerimônia. A publicidade faz também faz uma competição desleal. As propagandas extremamente sedutoras e difundidas em diferentes espaços entram no imaginário dos pequenos fazendo-os desejarem o consumo.
Meu filho não come. E agora?
Além disso, existe uma outra questão que influencia o paladar: o medo da criança não comer. Quando se inicia a introdução de outros alimentos, além do leite, a tensão domina a família. Será que o bebê vai comer? Quanto que ele precisa? Muitos pais acreditam que seus filhos comem quantidades insuficientes.
As comparações com outras crianças somente ampliam o tamanho dessa pressão que também é piorada pela cobrança do pediatra.
“Não ganhou muito peso nesse mês“, “precisa comer mais“, “o leite está atrapalhando no apetite“… Com isso, podemos cair em algumas armadilhas, como investir nos alimentos de maior aceitação ou colocar alguns atrativos na alimentação do dia a dia. Aos poucos, a família percebe que o macarrão instantâneo vai mais fácil ou se colocar achocolatado no leite, a criança bebe rapidamente.
Observa também que, quando oferece um biscoito de maisena, a criança não fica sem comer à tarde. Ou se dá conta que a ela muda de humor e pára à mesa quando vê a batata frita à sua frente.
Ufa, ele comeu (e então eu respiro aliviado!)
Ver a criança comer faz com que mães e pais respirem aliviados. Mas aí sua criança acabou de ganhar o rótulo do tal “paladar infantil” e pode ser aquela que só vai comer bem se tiver aquilo que a agrada Como no nosso meio social a diversidade de alimentos sedutores ao paladar é muito maior do que a de frutas, legumes e verduras, a criança fica cada vez mais condicionada aos alimentos açucarados, gordurosos ou salgados.
Em paralelo, estranha mais aquilo que não contém tanto sal, açúcar ou gordura, pois são alimentos que ficam distantes da sua realidade.
Vira uma bola de neve que talvez se transforme quando essa criança crescer. Mas isso também pode persistir ao longo da vida, considerando que as informações relacionadas ao padrão alimentar de adultos não são muito animadoras. Comemos cada vez menos alimentos in natura e muitos alimentos ultraprocessados.
Então, da próxima vez em que você ouvir falar que alguém tem um paladar infantil, pense que, na verdade, essa pessoa só tem o paladar fruto daquilo que proporcionamos para uma criança assim que ela começa a se alimentar. Uma provocação: como seria esse paladar em um cenário sem tantos alimentos rotulados como “infantis”, mas tão inadequados à criança.
Viviane Laudelino Vieira
Doutora em Ciências – Mestre em Saúde Pública