A pegadinha da amamentação: as trends das mentiras para seduzir mães

O Dia Mundial de Proteção ao Aleitamento Materno, iniciativa da IBFAN (Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar), foi celebrado em 21 de maio, e eu escrevi um texto sobre isso na minha coluna no site da Crescer.

Aliás, cabe uma explicação. Desde o Encontro Nacional de Aleitamento Materno (ENAM-2024), sou membro da Rede IBFAN. Outras das minhas participações para o dia foram um post e um Reel (que teve grande repercussão, por sinal – até agora 55k – uau).

Aí, recebi uma “encomenda” (obrigado, Rodrigo Carvalho) para escrever sobre os temas que eu abordei nesse vídeo. Pensei por unsssss 3 segundos e me lembrei de uma frase de Chimamanda Ngozi Adichie (escritora nigeriana): “Escolher escrever é rejeitar o silêncio”.

Seguem as iscas que jogam no caminho das mães que têm dúvidas, das que querem, das que já estão ou mesmo das que, por alguma razão, não quiseram, não puderam ou não conseguiram amamentar.

Mas pra que isso?

A intenção é “fisgar” e “capturar” a atenção das mães e afetar sua autoconfiança e autoestima, com mensagens “aparentemente acolhedoras”:

  • “Torcemos por você, mas se não der certo, estamos aqui”.
  • “Você está cansada não é mesmo? Ficamos preocupados com sua saúde”.
    E outras mais.
  • Acompanhe as “pegadinhas”. Poderíamos chamar de: “A ratoeira na amamentação: as mentiras que a indústria contou para
    você.”

 

Pesadão? Achou? O marketing da indústria não pensa assim

O marketing da indústria até “contrata” influenciadores digitais que você conhece e em quem você confia pra te conquistar através de posts de publicidade (#publi).

Sei que essa opressão incomoda, machuca, mas precisava escrever assim? “Escrever é uma maneira de sangrar”.
Frase atribuída a Conceição Evaristo (linguista e escritora afro-brasileira).

Você tem pouco leite e ele é fraco. Será que vai afetar o peso?

Aproveita a promoção. Juntei duas em uma só. Pouco leite e leite fraco. Essas são das mais antigas, das mais disseminadas e das mais poderosas. E ainda, de brinde, você “levou” a da balança.

Qual a mãe que não fica ansiosa pela saúde de seu filho?

Com certeza, todas querem fazer o melhor. Saber SE o leite está saindo, QUANTO de leite está saindo e SE o que está saindo é suficiente aumenta a insegurança quando ela vê seu bebê chorar.

E por mais que se repita e se prove que não há leite fraco ou pouco leite, o peso da dúvida provocada pelo marketing das indústrias, que lucra com a venda desses produtos, muitas vezes pressiona as mães a buscarem outra saída.

Procure uma equipe de saúde materno-infantil atualizada, que tenha escuta ativa, empatia, sem conflito de interesses, que não te ofereça uma amostra de fórmula, que, “por acaso”, estava ali, como que só esperando você chegar.

Teu bebê chora demais. Não é fome. Dá chupeta que ele acalma e não atrapalha

Adultos choram. Pré-adolescentes e adolescentes choram. Toda criança chora. Por que razão um bebê não pode chorar? O bebê chora. Todo bebê chora. Fome, sede, frio, calor, gases, cólicas, fraldas molhadas, sujas, sono, saco cheio, insegurança, medo… precisa mais? Aliás, eu choro por muitas dessas razões (as fraldas não, pelo menos por enquanto).

Segundo os estudos, a chupeta é a principal responsável pelo desmame precoce, em bebês abaixo de 3 meses de idade. 33%. Essa taxa é alta. Confusão de bicos.

Aí você me diz:

  • “Tá, mas 67% não desmamam, né? Então a maioria não corre esse risco.”
    E eu te respondo:
  • “Mas em que grupo está o teu filho? Não tem como saber se ele é dos 33% ou dos 67%. Uma em cada três crianças vai desmamar antes dos 3 meses por causa da chupeta, mesmo com bico ortodôntico (que não protege e não corrige nada) ou uma que pareça o seio (nenhuma delas). E pode ser o seu.
    Ele fica grudado no peito. Ninguém aguenta. Tira o teu leite, coloca na
    mamadeira, pede pra alguém dar e vê se dorme.
    Nem sei por onde começar. Pode ser pela livre-demanda? Acho que é bom assim.

Quando se pergunta como fazer para aumentar a produção de leite, uma das principais estratégias é oferecer a mama (uma ou as duas, o que for pedido) sempre que o bebê quiser, sem estabelecer duração ou intervalo entre as mamadas. E cada dupla mãe-bebê vai ter seu ritmo próprio.

Esse processo, com o tempo, com o ajuste das mamadas, com o aumento do tamanho do estômago do bebê, vai se regularizando, se ajustando e ficando mais confortável para a mãe. Mês o bebê ainda vai querer, e até precisar, mamar à noite por um bom tempo.

E a mamadeira?

Tem que ter tempo para preparar (a qualquer hora), condições de higiene (lavar e secar bem, esterilizar), ter as medidas certas e a temperatura adequada no preparo. O que sobrou tem que ser jogado fora. E aí vem a confusão de bicos (olha ela aí de novo e o texto no link é de 2014 – affeeee há 10 anos).

Com esse bico de silicone ou o uso de um relactador, que é normal, não tem erro. Seu bebê vai mamar.

Ambos podem até ter uma indicação muito específica, mas nunca devem ser usados de rotina. Ambos precisam de um profissional habilitado e capacitado para orientar a introdução, quando e se for realmente necessário, e principalmente a retirada, o quanto antes possível. Ambos podem criar dificuldades para uma pega adequada durante o uso e quando são retirados, o que pode causar a confusão de bicos (isso não acaba nunca?), com grande aumento do risco de desmame.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (nesse texto) afirma que “não há comprovação de que os protetores flexíveis sejam seguros para a manutenção da lactação, nem que garantam a produção de volumes adequados de leite humano para proporcionar o ganho de peso que o bebê precisa. Por isso, seu uso deve ser limitado e os pacientes acompanhados rigorosamente até que o protetor não seja
mais usado”.

Bicos de silicone, mamadeira e chupeta posicionam mal a língua, que não fica em repouso grudada no céu da boca, e a pega vai pra ponta, para o bico. Para o bebê… Bico ou Ponta = Mamilo. Quando volta ao seio, confunde a forma de abocanhar a aréola e vai parar e machucar os mamilos (fissuras, dor, sangramento… risco de desmame). Quem indica tem a obrigação de acompanhar e retirar assim que possível.

Dá a fórmula que hoje em dia é igual e tão boa quanto o leite materno.

Qual o problema?

O leite humano é para os humanos

O leite de animais é para os animais. Então, os leites vegetais são para os vegetais? Não. Não existe leite vegetal. Existem bebidas à base de vegetais. Ou você já viu ninguém extraindo leite da “mama” da soja? Para ficar muito claro: nem leite de vaca (ou de cabra, ou de outros mamíferos) e nem bebidas à base de vegetais substituem o leite humano.

Uma fórmula das mais completas não chega a ter 100 componentes. O leite humano, da última vez que eu me lembro de ter lido um estudo, tem mais de 1.000 componentes conhecidos.

Sabe o HMO? Aquele que as indústrias copiaram do leite humano pra colocar nas fórmulas, e que dizem, nos rótulos que são idênticos ao leite materno (o que é proibido por lei – NBCAL)? Os oligossacarídeos do leite humano (HMO) são mais de 200 prebióticos naturais, encontrados em concentrações significativas apenas no leite materno humano. E olha que esse é o terceiro componente sólido mais abundante do leite humano, superado apenas pelos lipídios e pela lactose.

Não se deixe enganar. Não existe o menor senso de comparação entre o leite humano, que é o leite próprio da espécie, e qualquer outro tipo de bebida ou alimento na natureza.

Um substituto de leite materno é importante e pode ser fundamental para a sobrevivência de um bebê em algumas situações. Dessa forma, ele deveria ser identificado em uma receita em duas vias carbonadas, sem o nome comercial (marca) do produto (como fórmula de partida ou de seguimento), datada e com validade de 10 dias, com carimbo e assinatura de quem pode prescrever e orientar (pediatras com seu CRM e nutricionistas com seu CRN) e comercializados apenas em farmácias. Exagero? Sabe quem é assim? ANTIBIÓTICOS.
Para concluir

O leite materno continua sendo o padrão-ouro da alimentação infantil, indicado desde a sala de parto, continuado até 2 anos ou mais e em livre-demanda até o sexto mês. Essa é a recomendação da OMS, do Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Pediatria, da Rede IBFAN e de muitas outras instituições sérias.

Essas orientações são embasadas cientificamente, sem nenhum estudo robusto que afirme o contrário, e deveria ser de conhecimento de todos os profissionais de saúde materno-infantil, da sociedade civil, dos governos, e das indústrias.

O Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno já tem 43 anos. A NBCAL tem 18 anos. O Guia de regulamentação do marketing digital de substitutos do leite materno da OMS está em vias de aprovação na Assembleia Mundial de Saúde. E essa “luta” inacreditável pela saúde para todos parece que não vai acabar tão cedo, mas é preciso estar atento, por mais desafiador que possa parecer e que, de fato seja.

Essa é uma frase atribuída a Bertolt Brecht, dramaturgo e poeta alemão:

“Quem não conhece a verdade não passa de um tolo; mas quem a conhece e a chama de mentira é um criminoso!”

Será que nas indústrias, com o tanto de lucro que elas apresentam, não foram contratados “ótimos” funcionários que conheçam essas verdades sobre o leite materno?

 

Moises Chencinski é pediatra e homeopata, criador e gestor do movimento “Eu apoio leite materno”. Pode ser encontrado nos perfis do Instagram @doutormoises @euapoioleitematerno @omelhorprodutodomundo

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