Parir e gestar: o processo é interno

Estou dando uma pausa nos textos sobre partos em diferentes lugares do mundo para compartilhar uma nostalgia especial de aniversário. Hoje, a bebê que nasceu naquele dia completa 15 anos, e ao relembrar aquele momento, sinto um profundo sentimento de gratidão e reflexão.

No trabalho de parto, temos a oportunidade de acessar canais e portas que jamais nos aventuramos a acessar. Essa da foto era eu, abrindo a porta da chave sangrenta, para lutar com o Barba Azul. Foi ali que eu encontrei a personificação dos medos e restrições que, por tanto tempo, se escondiam nas sombras do meu ser. Naquela noite latente, enfrentei o predador interno que tentava silenciar meu poder de criação e transformação.

Foi um processo que havia iniciado de mim, quando atravessei a noite em fase latente. Para algumas mulheres, a fase latente é um momento de festa, um sinal de bebê em breve. Para mim, foi introspecção, foi lutar com os meus dragões, transmutar o meu Barba Azul. Depois de ter passado por uma cesárea, o desejo de ter um parto natural se tornou ainda mais forte. Eu já havia iniciado minha preparação: lia relatos de outras mães, participava de grupos online e assistia a vídeos sobre técnicas naturais de alívio da dor. Cada contração era um chamado para o meu espírito selvagem, uma lembrança de que eu estava em um ritual de passagem, guiada pela intuição ancestral que pulsa em cada mulher.

Ali eu vivi as dores emocionais não choradas, que foram caladas e abafadas, afinal, eu sou forte! A dor que senti não era apenas física; era a dor de renascer. Ao confrontar meu lodo, cada lágrima derramada era um passo em direção à minha cura, uma libertação das correntes que me impedia de acessar minha verdadeira força. Enquanto eu me preparava para esse momento, busquei entender as evidências científicas sobre o parto natural e assistir a vídeos sobre hypnobirthing para encontrar formas de manter a calma e o foco. Ali eu chorei todo o choro não chorado. Lidei com meu lodo.

Ouvi: “Vamos, vamos para o hospital!” Me desnorteei… Tomei posse do consciente e me incomodei muito em voltar para ele. Pega mala, despede das crianças! A reconexão foi difícil, não foi fluída. No hospital, senti a invasão do meu espaço sagrado, como se o ambiente externo tentasse romper a casca protetora que eu havia criado para abrigar meu processo interno. Durante minha pesquisa, li sobre a importância de escolher um ambiente e uma equipe que respeitassem meu desejo de um parto natural, mas naquele momento, percebi o quanto a desconexão com o ambiente e a equipe poderia me afetar. O acesso era livre somente para o Joh e as nossas filhas; formei uma casca do meio externo com essas pessoas dentro. Minha doula e minha equipe não faziam parte dessa casca.

Muito louco, porque hoje eu sou a doula. Eu fiquei anos e anos tentando entender, processar os fatos. Olho para o processo e agradeço, foi um dos muitos pontos que me fez estar aqui hoje. Na época, procurei tanto sobre como me preparar fisicamente para o parto, mas aprendi que o vínculo emocional e a conexão espiritual são tão, ou mais, importantes. Mais do que a escolha de pessoas competentes com você, não podemos nos esquecer do vínculo, ele é MUITO poderoso! E tudo isso começa sempre com um processo e ele é TOTALMENTE interno! Se conecte com você e siga suas águas.

Hoje, ao revisitar essas memórias com um sentimento de nostalgia, celebro o 15º aniversário da minha filha. Olhando para trás, vejo como aquele processo de parto transformou minha vida de maneira profunda, moldando não apenas meu papel como mãe, mas também minha jornada pessoal e profissional. A experiência me ensinou que enfrentar nossos desafios internos é essencial para encontrarmos nossa verdadeira força e sabedoria. Ao refletir sobre esses momentos, percebo que a jornada de autodescoberta e crescimento é contínua, e é nela que encontramos nossa alma selvagem e autêntica.

Um beijo da doula!

Se quiser contar sua história, ou comentar sobre algum texto escrito por mim, mande email para lilidoulasp@gmail.com

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