Essa é a “variação” de uma propaganda de sutiã de 1987 (“O primeiro sutiã a gente nunca esquece”), que trazia, segundo Washington Olivetto, o criador do material publicitário para a marca, “a transição da personagem de menina à mulher, momento em que a vaidade certamente desabrocha” e o “deslumbramento da menina ao ganhar o seu primeiro sutiã”.
Muitos, ainda hoje, 37 anos depois, se lembram do filme e da mensagem dessa que foi uma das campanhas mais premiadas da história da propaganda, mesmo gerando, algum tempo depois, polêmicas sobre a exposição e sexualização da menina e do corpo feminino.
Ao captar os sentimentos da primeira vez, a primeira sensação, a primeira emoção, acontecem a surpresa pela descoberta, o encantamento pelo novo, a motivação pela ousadia, a aceitação pelo acolhimento e a conquista pelo fascínio e pela cumplicidade.
Seth Godin, um escritor e orador norte-americano, especialista em marketing e negócios, disse:
“As pessoas não compram bens e serviços. Elas compram relacionamentos, histórias e magia”.
A primeira vez. O começo. A descoberta. O espanto. O choque. A passagem. Essas são algumas das situações analisadas e parte das estratégias utilizadas pelo marketing para atingir seu público e, assim, aumentar a divulgação e a venda de seus produtos.
E esse “produto” pode ser qualquer “produto”, assim como o público-alvo pode ser qualquer público. Basta adequar a linguagem, as propostas e, principalmente, conhecer muito bem quem vai consumir esse produto.
Peter Drucker, um dos maiores expoentes da Administração Moderna, dizia:
“A meta do marketing é conhecer e entender o consumidor tão bem, que o produto ou serviço se molde a ele e se venda sozinho”.
Você sabia que existe um Código de Ética dos Profissionais de Propaganda?
Pois é. Ele existe e você encontra no site http://gov.br (é oficial). Veja os 4 primeiros artigos desse Código (os destaques são meus):
I – A Propaganda é a técnica de criar opinião pública favorável a um determinado produto, serviço, instituição ou ideia, visando a orientar o comportamento humano das massas num determinado sentido.
II – O profissional da propaganda, cônscio do poder que a aplicação de sua técnica lhe põe nas mãos, compromete-se a não utilizá-la senão em campanhas que visam ao maior consumo dos bons produtos, a maior utilização dos bons serviços, ao progresso das boas instituições e a difusão de ideias sadias.
III – O profissional da propaganda, para atingir aqueles fins, jamais induzirá o povo ao erro; jamais lançará mão da inverdade; jamais disseminará a desonestidade e o vício.
IV – No desempenho do seu mister, o profissional da propaganda agirá sempre com honestidade e devotamento com seus comitentes, de modo a bem servir a eles e à sociedade.
E esse artigo é fundamental:
18. O profissional de propaganda deve conhecer a legislação relativa a seu
campo de atividade, e como tal é responsável pelas infrações que, por
negligência ou omissão intencional, levar o cliente a cometer, na execução do plano de propaganda que sugeriu e recomendou.
Além disso, os “anúncios” devem seguir a regulamentação determinada pelo Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária (do CONAR).
Artigo 23. Os anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade.
E nas alegações do Artigo 27:
“O anúncio não deverá conter informação de texto ou apresentação visual
que direta ou indiretamente, por implicação, omissão, exagero ou ambiguidade, leve o Consumidor a engano quanto ao produto anunciado, quanto ao Anunciante ou seus concorrentes, nem tampouco quanto à: natureza do produto (natural ou artificial); procedência (nacional ou estrangeira); composição; finalidade.”
Facilitando a compreensão (precisa mesmo?):
É proibida, por lei, a propaganda enganosa.
Pausa para definições
Os profissionais do marketing, através de “ferramentas” específicas da área, quando contratados, buscam atingir seus objetivos através de muita pesquisa, estudo e propostas certeiras. Vale aqui uma diferenciação a respeito de objetivos:
- Publicitário: é um profissional (ou uma agência) contratado por uma empresa ou instituição, em troca de pagamento pré-estabelecido, para influenciar pessoas, sociedades, culturas de que o produto ou serviço divulgados devem ter sua atenção e possível consumo.
- Empresa: é quem investe e contrata os serviços de publicidade com a intenção de aumentar sem limites, sua visibilidade, o reconhecimento de sua marca e, ao final, suas “vendas” e seu lucro.
- Retomando a linha de raciocínio: para o aleitamento materno
Como parte da análise e das estratégias, o que é mais fácil e eficaz? Buscar influenciar quem ainda está com opiniões em formação ou quem já tem suas convicções?
Dessa forma, as indústrias de fórmulas lácteas comerciais (FLC) contratam (ou têm entre seus departamentos) publicitários para abordar grupos mais “vulneráveis” e sensíveis às suas ações: estudantes (acadêmicos) e residentes de universidades de cursos de saúde materno-infantil, especialmente medicina (pediatria) e nutrição e
“pais de primeira viagem”.
Através de procedimentos que são proibidos pela lei (NBCAL – Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, - Bicos, Chupetas e Mamadeiras, as indústrias tentam (e muitas vezes conseguem) seduzir os estudantes com ofertas de vantagens como amostras grátis, ingressos para cinemas e teatros, convites para almoços “gratuitos”, onde representantes da empresa conversam “informalmente” e trazem, de forma “camuflada”, informações sobre os produtos. Isso sem contar auxílio financeiro para inscrições, transporte e
hospedagem em congressos ou custeio de despesas para elaboração e formatação de cursos.
Pela inexperiência ou por não conhecerem as artimanhas e os subterfúgios utilizados pela indústria (através do planejamento de seu marketing), esses estudantes se sentem muito “prestigiados” por toda essa atenção e, iludidos, são presa fácil da simpatia e aparentes boas intenções dos representantes da indústria.
A partir daí, passam a se sentir muito ligados a essa empresa, gratos pelo “carinho” e “gentileza” e começam a utilizar e recomendar mais os produtos que receberam, por exemplo, em uma “sacolinha” ao final da atividade, como uma “lembrancinha”, muitas vezes com chocolates (entre outros brindes) caros.
Não existe almoço grátis. Toda essa atenção será posteriormente lembrada e cobrada, de forma muito sutil, mas convincente e, apesar do conhecimento adquirido nas universidades, nas aulas, passam a acreditar também nas informações transmitidas por esses representantes da indústria, orientados pelo marketing, em grande parte das vezes, sem nenhum embasamento científico. “Fórmula infantil marca X que é semelhante ao leite materno”.
Não existe a menor possibilidade de um produto lácteo de origem animal, mesmo que modificado pela indústria, ter qualquer chance de se assemelhar ao leite humano. Além disso, é proibido constar do rótulo ou de material técnico qualquer informação que compare qualquer produto ao leite materno. Então essa é uma informação não verdadeira e proibida que fere a lei (NBCAL), o Código de Ética dos
Profissionais de Propaganda e o CONAR?
E os pais chamados de “primeira viagem”?
Esses se tornam reféns muito mais vulneráveis desse tipo de desinformação, de forma muito mais cruel. Eles não têm a informação científica. Eles só contam com as experiências pessoais de amigos, de familiares que são relevantes para cada um que viveu essa situação. Mas aqui, vale mais uma vez a frase: Experiência pessoal não é evidência científica.
E o marketing se utiliza, cada vez mais, dos influenciadores, muitos com mais de 10 milhões de seguidores, que são impactados diariamente pela #publi (divulgação de produtos ou serviços por influenciadores digitais, blogueiros ou criadores de conteúdo), que é paga.
Não há dúvidas que os pais sempre buscam o melhor para seus filhos e que são eles quem define e decide o que consideram o melhor. Quando esses pais se deparam, sem informação adequada, ética e atualizada, com as situações normais de um bebê, especialmente nos recém-nascidos, acabam cedendo às falsas promessas das indústrias de fórmulas lácteas comerciais, na tentativa de solucionarem situações que podem ser desconfortáveis.
Bebês choram (xixi, cocô, sono, frio, calor etc.), mamam (se alimentam) em intervalos menores, em livre-demanda (sem horário definido), podem ter o sono mais interrompido à noite, podem ter gases, cólicas, regurgitar, entre outras questões enquanto amadurecem e de desenvolvem. Se “os pais de primeira viagem” não têm o acompanhamento de pediatras atualizados, éticos e sem
conflito de interesses com a indústria, se tornam presas fáceis dos ardis e manobras do marketing que tentam caracterizar como se fosse doença o que acontece, transitoriamente, com bebês saudáveis, normais.
Isso passa, mas um desmame precoce, provocado por desinformação, pode trazer consequências inimagináveis para a saúde da criança no futuro e, também, para o emocional da mãe que gostaria de ter amamentado seu bebê de acordo com seus planos.
O centro de todas as nossas atenções como profissionais de saúde, como pais, é e sempre será a criança. É para ela que todo o investimento deve ser direcionado. A infância é a base de nossa estrutura.
Fecho com frase atribuída a Mia Couto:
“A infância não é um tempo, não é uma idade, uma coleção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. A infância é uma janela que, fechada ou aberta, permanece viva dentro de nós”.