Quando A Vida é Bela foi lançado, em 1997, eu assisti e não curti. Lembro de ter achado exagerado: criar uma espécie de conto de fada num campo de concentração me pareceu de mau gosto. Mas ele recebeu várias resenhas elogiosas e ganhou o Oscar. Enfim, naquela época, eu tinha uns 14 anos, acreditava que o Oscar era legal, não tinha filhos e saquei que quem não tinha entendido algo era eu e tudo bem. Faz parte.
Isolamento, maternidade e filhos: o desespero tem nome
Mas, depois de quase dois meses de isolamento, eu nem precisei revê-lo para entender tudo. Levando em consideração as devidas proporções, claro, a vida nos dias de hoje segue lenta dentro das casas, mas o ar pesa como se estivéssemos numa guerra. No caso do Brasil, onde a bizarrice impera em várias níveis de loucura, estar em guerra contra o vírus não é o suficiente — precisamos, ainda, resistir contra um presidente estúpido e uma possível ditadura. Haja energia!
Agora que estou mais próxima dos 40, já casei, já separei e tenho dois filhos pequenos, estar em casa, presa, com duas crianças enclausuradas, é algo assustador.
Já nos sentimos de férias, já tentamos criar uma rotina mais “certinha”, já reviramos a rotina e flexibilizamos tudo. Montamos uma barraca no meio da sala, há show de dança todas as noites, criamos mundos e casas, contamos histórias, fazemos picnic à tarde no chão da sala, desenhamos, brincamos de pega-pega. Fazemos isso várias vezes ao dia, pois os dias se enroscam em ciclos infinitos de brincar, brigar, gargalhar, chorar, gritar, contar segredos no ouvido, comer pipoca e assistir TV… sucessivamente. E, claro, bater panelas todas as noites.
A intensidade da quarentena na pandemia para as mães: o que fazer?
Tudo é muito, tudo é intenso demais. O que fazer? Não sei… acho que é tempo de chorar quando quiser chorar, de dar colo quando eles pedirem, de beijar e dizer, nesse tempo estendido que estamos vivendo, que eu os amo muito. Digo alto, digo baixo, digo no banho, enquanto assistimos TV, enquanto os observo dormindo na minha cama. Digo sempre numa tentativa de transformar esse amor num manto de proteção do caos, do tédio, da angústia e do vírus.
E brigo na mesma intensidade porque eles me enlouquecem, não me deixam em paz, não me deixam comer com calma nem tomar banho e eu penso em fugir e não voltar mais. Então choro muito porque sou chorona por natureza e porque não sei o que será de mim e de dois pirralhos dentro de um apartamento por meses. Acho que não vou dar conta… e olha que conto com os privilégios de ser branca e de classe média.
O mundo dos homens seguiu funcionando. E o das mães?
Enquanto isso, paralelamente, há o mundo dos homens. Enquanto as mulheres cuidamos da casa, das crianças, do trabalho que restou e de não enlouquecermos, os homens continuam trabalhando muito “seriamente”, trancados dentro dos quartos e, com cara de cansados, se desculpam por não estarem presentes com as crianças. “É muito trabalho”, afirmam.
Eu chego a várias conclusões:
- Primeiro, cuidar das crianças não é sério o suficiente.
- Segundo, nós, mulheres, não somos sérias o suficiente.
- Terceiro: cuidar da casa e/ou das crianças não é trabalho o suficiente.
- Quarto: é a mesma desculpa sempre, com ou sem pandemia.
- Quinto: mesmo perto do fim do mundo, o patriarcado reina absoluto, a violência doméstica explode e o trabalho gratuito que sempre esteve nas nossas costas só aumenta.
E ainda acham que a culpa é de um vírus! Haha pra vocês.
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Por Taina Bispo, mãe de dois capricornianos, que mora em São Paulo/SP, é jornalista, editora na @editoraclaraboia e integrante do coletivo feminista @movimento_atrevase.
O título desse texto é “Mesmo perto do fim do mundo, o patriarcado reina absoluto”. Porque SIM, o patriarcado continua reinando absoluto e precisamos fazer algo a respeito, TODOS NÓS, mulheres e homens, este sistema está acabando com nosso mundo, definitivamente!