A origem da palavra menstruação está relacionada a dois marcadores principais: a contagem do tempo, ao observar a raiz men e sua relação com mensis (mês), que por sua vez tem relação com a contagem de tempo através da lua.
O ciclo menstrual está, aliás, intimamente ligado ao ciclo lunar, às fases da lua e a seus desdobramentos. Mas antes de chegar até a Lua, há muito que se falar sobre menstruação. O Brasil, neste e em outros diversos temas relacionados ao feminino, decepciona: segundo a Unicef, “No Brasil, 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas”.
No Brasil, de modo estrutural, falta acesso básico de cuidado menstrual, acesso estrutural, o que nos faz compreender que falta acesso sobre educação menstrual e sexual.
O problema social é enorme, profundo e está desdobrado em muitas direções. Os corpos das mulheres são violentados, hiperobjetificados e, de modo cultural, repulsivos em suas naturezas (menstruação, parto, amamentação, libido). Mulheres são estupradas, aliás, meninas são estupradas. Há um script padrão para vivenciar experiências em relação à sua natureza feminina (anticoncepcional, controlar a menstruação, escassez de acesso à higiene básica, indústria da cesárea, indústria dos bicos artificiais e das fórmulas infantis e dedicar toda sua libido, sua energia sexual/vital para jornadas duplas e triplas.
Você acha que falar de menstruação é estranho?
Se te soa estranho, se você já é adulta e não teve um mínimo de educação vinda de sua mãe, mulheres da família ou próxima a você, saiba, colocar na gaveta da vergonha a troca de experiências entre mulheres é uma forma de nos controlar. No silêncio e no silenciamento, muitas vezes atravessadas por uma cultura (de fundamento religioso) de punitividade, pecado e sacrifício, estende-se a ideia de aguentar, de não falar, de silenciar.
Compreender o que é o ciclo menstrual importa. Mulheres que são mães ou conhecem meninas jovens podem ser um caminho para mudar essa percepção. Por meio dessa compreensão, é possível abrir espaço para desconstruir o estigma, por exemplo, de que menstruar é estar suja.
Direto do livro Nossos Corpos por Nós Mesmas:
“Monstruação”, “naqueles dias”, “visitante indesejado”, “estar de bode”, “estou de chico”. Você sabia que a origem da expressão “estar de chico” vem de chiqueiro? Em Portugal, chico é sinônimo de “porco”; logo, estaria associado a “estar suja”. Que menina nunca tentou esconder seu ciclo?
Basta olhar as propagandas de absorventes com sangue azul, reforçando a estigma do sangue menstrual. Ou ainda a prescrição compulsória de anticoncecpcionais para jovens e crianças na puberdade como forma de controlar o sangramento. Ou, ainda, a recente descoberta de que absorventes não eram testados na indústria com sangue menstrual, mas com água – afinal, é tudo a mesma coisa, não é?
Há tanto que se abordar sobre ciclos menstruais e reprodutivos das mulheres, que por diversas vezes, temas de extrema importância, como absorventes de pano e até mesmo coletores menstruais, com tantos benefícios e vantagens socioambientais, no individual e no coletivo, ficam em segundo plano.
Mas, afinal, por que compreender o ciclo menstrual importa?
- Autonomia corporal: mulheres entendam melhor seu próprio funcionamento fisiológico e tomem decisões informadas sobre sua saúde reprodutiva, contracepção e planejamento familiar.
- Desmistificação e combate ao estigma: muitas vezes, o ciclo menstrual é envolto em tabus e estigmas, o que pode levar à desinformação e à vergonha em relação ao próprio corpo. O ciclo menstrual é parte natural e saudável da experiência feminina.
- Equidade de gênero: em muitas sociedades, o ciclo menstrual é frequentemente usado como uma ferramenta para discriminar e marginalizar as mulheres. Compreender o ciclo menstrual pode ajudar a desafiar essas normas de gênero prejudiciais e promover a igualdade, garantindo que as mulheres tenham acesso a recursos e que sua natureza cíclica seja, sim, levada em consideração.
- Empoderamento através da educação: capacitar as mulheres com conhecimento sobre seu próprio corpo é uma forma de tomar para si o controle sobre seus corpos.
- Políticas inclusivas: o entendimento do ciclo menstrual é essencial para a defesa de políticas inclusivas que atendam às necessidades das mulheres em diferentes estágios de seus ciclos reprodutivos. Isso inclui acesso equitativo a produtos de higiene menstrual, cuidados de saúde menstrual e licenças-menstruais.
Entre não falar de menstruação e falar, que escolhamos falar e naturalizar. Comunicar seus processos reprodutivos, estudar sobre os ciclos da menstruação de forma fisiológica, cíclica e até mesmo energética, quando associada aos ciclos da Natureza, no caso do calendário lunar, é também uma forma de se preservar em autocuidado.
Na medida em que as mulheres retomam seu habitat natural de seus corpos, buscam compreender melhor a si mesmas. Maria Mies dá uma verdadeira aula sobre a troca de experiências sobre o corpo no livro Patriarcado e Acumulação em Escala Mundial: mulheres na divisão internacional do trabalho:
Um olhar sobre a história recente do novo movimento feminista pode nos ensinar que as principais questões que desencadearam a revolta das mulheres não foram as questões geralmente abordadas pelo feminismo cultural, as questões da desigualdade e da discriminação, mas outras questões que, de uma maneira ou outra, estavam relacionadas ao corpo feminino. Em contraste com o antigo movimento das mulheres, o novo movimento feminista não concentrou suas lutas na esfera pública (na política e na economia), mas abriu, pela primeira vez na história, a esfera privada como uma arena para as lutas das mulheres. As mulheres haviam sido relegadas à esfera privada do patriarcado capitalista, a qual era, aparentemente, uma área sem nenhuma relação com a política. Ao falar abertamente sobre suas relações mais íntimas com os homens, sua sexualidade, suas experiências com a menstruação, gravidez, puericultura, sua relação com o corpo, a falta de conhecimento sobre o próprio corpo, seus problemas com a contracepção etc., as mulheres começaram a socializar entre si e, assim, a politizar suas experiências mais íntimas, individuais e até então dispersas. A “política do corpo” foi e ainda é a área em torno da qual o novo movimento das mulheres foi deflagrado, não apenas no Ocidente, mas também em muitos países subdesenvolvidos. Ao definir a esfera privatizada e isolada da relação homem-mulher como política, cunhando o slogan “o pessoal é político”, a divisão estrutural da sociedade burguesa entre público e privado passou a ser contestada. Isso significou, ao mesmo tempo, uma crítica ao conceito de “política” como até então era entendido (Millet, 1970). A “política do corpo” não foi desenvolvida como uma estratégia deliberada pelas feministas. Ao contrário, surgiu das frustrações e da revolta das massas de mulheres nas sociedades ocidentais em relação a certas questões que demonstravam a natureza essencialmente violenta e opressora da relação homem-mulher em nossas sociedades.
Compreender seu ciclo menstrual: onde isso pode te levar?
Para além de se apropriar da fisiologia natural do corpo de uma mulher, abrindo espaço para a compreensão híbrida natureza-cultura sobre o ciclo reprodutivo e sexual (libido, prazer, gravidez, aborto, parto, pós-parto, amamentação, amadurecimento, perimenopausa, menopausa e maturidade) trocar com outras mulheres, aceitá-lo em sua natureza e viver a sua natureza, abre espaço para observar e buscar outras formas de ciclar e se cuidar nesse período, além de revisitar a compreensão que o coletivo (e, quem sabe, suas memórias pessoais) transmitem sobre o sangue das mulheres, evidenciando a sustentanção do lugar político dos nossos corpos – e em todo esse enredo haverá atravessamento político, atravessamento sobre as violências que vivemos, as singularidades e as possíveis ressignificações (ainda que esse termo esteja também esvaziado de significado). A única forma de chegar a esta Terra é através de uma mulher. A única forma de estar vivo é estar em um corpo. Compreender amplamente os ciclos femininos pode contribuir para desapropriar a objetificação dos corpos (se muito bem feito, ao longo do tempo, no trabalho notadamente chamado de “formiguinha”). Não se esqueça disso. Tudo que é sobre mulheres têm alcance político.